As Paróquias, as diferentes comunidades cristãs e as Dioceses têm estado envolvidas nos trabalhos da primeira fase de preparação do Sínodo de 2023 que tem como tema de reflexão a sinodalidade, a comunhão, a participação e a missão de todos na Igreja. Na primeira leitura de hoje, do livro dos Actos dos Apóstolos, encontramos um belo exemplo do que é a sinodalidade e a participação de todos na resolução dos problemas da Igreja.
O texto refere uma situação difícil que a Igreja teve de enfrentar, logo desde os primeiros tempos, na comunidade de Antioquia: surgiram tensões e modos de actuar diferentes. O grupo dos cristãos provenientes do judaísmo entendia que era preciso obedecer em tudo à Lei de Moisés, obrigando todos os cristãos a circuncidar-se. Os que se tinham convertido a Cristo originários do mundo greco-romano, os gentios, não conheciam nada dessas práticas e o entusiamo por Cristo não era menor, como testemunham Paulo e Barnabé.
Para dar resposta ao problema, Paulo, Barnabé e outros responsáveis da comunidade dirigem-se a Jerusalém para conversar com os apóstolos sobre o assunto. Reuniram-se, rezaram, invocaram o Espírito Santo, expuseram os seus argumentos (uns eram a favor, outros contra) e depois decidiram. De volta a Antioquia, os enviados comunicaram que, para ser cristão não era preciso praticar os costumes judaicos como alguns queriam impor; ao mesmo tempo, recordam que a fé em Cristo implica também a mudança de comportamentos que derivam das práticas pagãs. Quer dizer que a fé em Cristo e a pertença a uma comunidade cristã não está vinculada a uma determinada região geográfica ou a uma cultura. Em cada tempo e em cada lugar o Espírito Santo lembra e ensina tudo o que Jesus disse. Este foi um passo importante na vida da Igreja primitiva e há-de ser o modelo para enfrentar as questões que hoje também se colocam à Igreja.
1. Hoje também há problemas a resolver
— Na Igreja de hoje também há problemas, uns dentro da própria comunidade e outros que vêm de fora. Dentro da Igreja há quem faça grande questão de defender a chamada doutrina tradicional, de celebrar no que chamam de “rito antigo”, dão grande importância às vestes e a outros utensílios, e dizem que estão a preservar as tradições e os costumes que outros querem destruir… E existem os que se esforçam por seguir as orientações do Vaticano II, mostram-se mais abertos, a favor da inculturação, do diálogo, da procura de consensos…
— Há também divergências sobre os problemas que afectam as famílias. Encontramo-nos num período de reflexão: como equilibrar a doutrina tradicional com as novas situações? Como conciliar as convicções cristãs fundamentais com a misericórdia? Onde estão as respostas adequadas para as pessoas que vivem situações tão diferenciadas? Como pôr em prática as orientações do Papa e dos Bispos?
— Neste trabalho, que não está acabado (longe disso!) precisamos de fazer como os primeiros cristãos: rezar em conjunto, fazer um debate alargado, valorizar as diferentes situações, procurar consensos no essencial sob a orientação do sucessor de Pedro…
— Quem diz da família, diz também de muitos outros sectores. A sociedade em que vivemos é plural: como conciliar as nossas convicções religiosas com as correntes culturais dominantes que pretendem ocupar todo o espaço público encurralando os cristãos “na sacristia” e retirando-lhe o estatuto de cidadãos e o direito de intervir na sociedade!… Aqui também tem que haver diálogo, oração, respeito mútuo e resistir à tentação de impor o que nós pensamos e queremos… Para isso, também tem que se fazer o ponto da situação sobre o modo como cada um está a viver a sua relação com Cristo…
2. A força da vida interior
— O Evangelho de hoje, que continua a recordar-nos as palavras de despedida que Jesus dirigiu aos seus discípulos no decurso da Última Ceia, é um convite à reflexão pessoal.
— Hoje reconhece-se que as pessoas têm mais dificuldade em parar, fazer silêncio e reflectir… No meio do ruído que nos envolve nem sequer há tempo para pensar: fazemos mais ou menos as mesmas coisas todos os dias, frequentamos os mesmos espaços e, se alguém nos faz uma proposta diferente, arranjamos um sem número de argumentos e de desculpas para não aderir…
— Mas, a pergunta que se impõe é esta: alguma vez fizemos uma verdadeira experiência da presença de Deus? Como sentimos Deus na nossa vida? Onde está Deus, verdadeiramente?
— O Evangelho diz que a verdadeira morada de Deus somos nós próprios: “se alguém me amar guardará a minha palavra e meu Pai o amará; viremos a ele e junto dele faremos morada”. Deus mora no coração do homem e é desse coração que surgem as boas e as más intenções (ver Mc 7,14-23)…
— Certamente que é importante darmos a nossa opinião e participarmos na resolução dos problemas; como é importante a nossa participação nos actos comunitários, na Liturgia… Mas, devemos sempre perguntar-nos se estamos nas coisas com o coração, de corpo inteiro, ou apenas de vez em quando, quando queremos ser atendidos nalguma coisa que é importante para nós…
— O nosso contributo, a nossa participação na vida da Igreja, com o objectivo de construir a comunhão e partir para a missão, tem que brotar de uma vida interior de adesão à pessoa de Jesus, às suas palavras, continuamente iluminados pelo Espírito que nos fará sempre descobrir coisas novas e velhas… – É preciso “estar com o coração”, deixar que Deus habite em nós, “que Ele venha e faça em nós a sua morada”… Depois sim: a nossa participação será proveitosa…