A abertura da Igreja aos gentios, àqueles que eram de cultura grega e também chamados pagãos no confronto com o judaísmo, não foi uma tarefa fácil porque esbarrou com a oposição das tendências mais judaizantes. Os apóstolos estavam inseridos no judaísmo, tinham aderido a Cristo mas, o contexto religioso e cultural que fazia parte do seu património era o judaísmo. Porém, devido à perseguição que se desencadeou em Jerusalém depois da morte de Estêvão, o próprio apóstolo Pedro vai à Samaria, a Jope e depois a Cesareia, onde se encontra com um pagão, Cornélio, e outros que ouviram a palavra, receberam o Espírito Santo e foram baptizados porque os apóstolos perceberam que “Deus não faz acepção de pessoas” e a fé não conhece fronteiras. A assimilação da universalidade da mensagem de Jesus foi um passo muito importante para a Igreja. Onde há fronteiras há fechamento e sectarismo e isto é contrário à fé em Jesus cujo único mandamento é amar como Ele amou. O ser de Deus que Jesus revelou é o amor: Deus é amor; ser é amar e amar é ser. O Evangelho volta a recordar-nos que permanecer em Cristo é continuar o amor do Pai que Ele nos deixou guardando os Seus mandamentos.
- Amar como Cristo amou
– Toda a gente fala do amor e proclama o amor… Mas não deve haver palavra tão desvalorizada e manipulada no nosso vocabulário quanto a palavra ‘amor’…
– O NT também já nos dá conta disso e, por essa razão, apresenta pelo menos três palavras diferentes para exprimir o amor: “erōs” para se referir ao impulso sensual, carnal; “filia” para sublinhar o afecto e a amizade; e “agápē” o termo preferido pelo evangelista João (aparece 9 vezes no texto do Evangelho de hoje)…
– “agápē” significa não apenas o sentimento de atracção por alguém, nem a gratificação ou o prazer que o outro produz em mim, mas é sobretudo a atitude activa e a entrega a favor do outro…
– Há autores que falam do amor infantil, que se poderia traduzir assim: “amo porque me amam”; “amo-te porque preciso de ti”; e de amores mais amadurecidos: “amam-me porque amo”, “preciso de ti porque te amo”… Mesmo assim, nesta dimensão meramente psicológica, estamos sempre a converter os outros em meros objectos que podem ser usados de diferentes maneiras: amamos sempre em função das contrapartidas, do retorno, da satisfação das necessidades afectivas que nos faz sentir bem…
– Ora, o amor não é uma emoção momentânea gratificante, mas a vida que se vive em Cristo, como amigos que Ele escolheu para partilhar com Ele os mesmos objectivos…
– Nos últimos Domingos Jesus tem-nos recordado o seu programa: amar como o Bom Pastor (4º Domingo); estar unido à cepa para dar fruto (5º); entregar-se totalmente aos amigos (6º, hoje)… E Jesus não fala em teoria, mas com o coração (estes textos fazem parte do discurso da despedida) e com a sua experiência de vida…
- Como o Pai me amou assim também vos amei; permanecei no meu amor
– O amor tem a sua fonte em Deus e manifesta-se no Filho; deste, estende-se aos discípulos e leva à missão… É um amor em cadeia que tem Cristo no centro…
– O amor de Cristo comunicado aos discípulos não é aquele amor “light”, “suave”, “cauteloso”, dos que imaginam amar toda a gente e não amam ninguém… O amor de Cristo é gratuito, generoso, criativo, sem limites, um amor “vermelho” de sangue que pode ser derramado porque pode chegar à oferta da própria vida: “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos”…
– O amor de Cristo é a verdade plena, de tal modo que não se pode defender a verdade sem o amor… A verdade como valor em si, sem o amor, pode ser fria; até se pode lançar contra o outro para o aniquilar… Mas também o amor sem verdade se converte em mentira e pode ser pretexto para uma certa tolerância que atraiçoa o próprio amor dificultando a construção de relações autênticas…
– É no “como” que está a diferença deste amor: é como o de Cristo, verdadeiro, autêntico… Não nos é permitido amar de qualquer maneira; não é um mandamento para guardar, mas um dom, uma oferta de Deus em Jesus, único modelo de amor genuíno; não amar assim é frustrar os planos de Deus nos seus filhos porque Deus é amor, “Deus charitas est”…
– Mas, se é acolhimento também é tarefa e esta tarefa é ser dom: “permanecei no meu amor”, quer dizer: permanecei fiéis ao amor que vos tenho; que esta cadeia não se quebre…
– A cadeia que deve quebrar é a que estabelece as relações baseadas no poder: do senhor sobre o servo, dos poderosos sobre os débeis… Jesus cria uma nova estrutura: “já não vos chamo servos, mas amigos”… Amigos que partilham a alegria de Jesus que é também a que vem do Pai, da sua vida em comunhão com Ele… É esta alegria que Ele, Jesus, quer que esteja com os seus quando se esforçam por amar como Ele amou…