Mistagogia da Palavra

Só faltam sete dias para a Semana Santa. Neste domingo de Quaresma temos de perguntar, com lealdade, como é a nossa aliança com Deus, ou seja,  a atitude religiosa e o consequente comportamento moral de cada um de nós. São autênticos porque se baseiam no amor, são libertadores e gratificantes porque geram alegria e abertura aos outros?  Ou vivemos uma religião triste e egoísta, uma moral externa e baseada no temor, em contradição com a lei do Espírito que dá a vida em Jesus Cristo. Se  tivermos esta segunda alternativa, precisamos urgentemente de um transplante de coração, um coração novo para uma aliança nova selada com o dom do Espírito.
A lª leitura é do profeta Jeremias. Diante das infidelidades do povo de Israel a aliança contraída com Deus, o Profeta anuncia uma nova aliança que Jesus Cristo haveria de estabelecer, na qual vivemos hoje. Não se pode seguir o caminho do sacrifício da vida, como Cristo fez, se não se tem a sua força. Nós recebemos essa força no Baptismo e continuamos a recebê-la nos sacramentos: é o seu Espírito a lei da nova aliança escrita no coração de cada um de nós.
A 2ª leitura é da Epístola aos Hebreus. É um convite a seguir o mesmo caminho de Cristo. É um caminho cheio de dificuldades. Ele, porém, percorreu-o antes de nós e, por isso, compreende as nossas perplexidades, as nossas incertezas, os nossos medos e as nossas fraquezas.
O Evangelho é de São João. Qual o sentido da Páscoa; paixão, morte e ressurreição de Cristo? O texto de hoje diz-nos que tudo isto foi uma manifestação do seu amor. Para Ele, o homem cresce e realiza-se só quando ama, ou seja, quando entrega a própria vida pelos irmãos, como Ele fez. O que para o mundo é uma derrota e uma vergonha, para Jesus Cristo é uma vitória e uma glória.

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra
Vem, Espírito Santo, ensina-me a valorizar a vida, como um dom dado, sustido e fecundado por Deus! 

Evangelho    Jo 12, 20-33
Naquele tempo, alguns gregos que tinham vindo a Jerusalém para adorar nos dias da festa, foram ter com Filipe, de Betsaida da Galileia, e fizeram-lhe este pedido: «Senhor, nós queríamos ver Jesus». Filipe foi dizê-lo a André; e então André e Filipe foram dizê-lo a Jesus. Jesus respondeu-lhes: «Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só; mas se morrer, dará muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á, e quem despreza a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém Me quiser servir, que Me siga, e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo. E se alguém Me servir, meu Pai o honrará. Agora a minha alma está perturbada. E que hei-de dizer? Pai, salva-Me desta hora? Mas por causa disto é que Eu cheguei a esta hora. Pai, glorifica o teu nome». Veio então do Céu uma voz que dizia: «Já O glorifiquei e tornarei a glorificá-l’O». A multidão que estava presente e ouvira dizia ter sido um trovão. Outros afirmavam: «Foi um Anjo que Lhe falou». Disse Jesus: «Não foi por minha causa que esta voz se fez ouvir; foi por vossa causa. Chegou a hora em que este mundo vai ser julgado. Chegou a hora em que vai ser expulso o príncipe deste mundo. E quando Eu for elevado da terra, atrairei todos a Mim». Falava deste modo, para indicar de que morte ia morrer.

Caros amigos e amigas, chegou a hora de estar com Jesus, seguindo-o no maior milagre de Amor! 

Interpelações da Palavra

Queremos ver Jesus…
Uns gregos, gente estrangeira, grita com entusiasmo: “queremos!” Verbo tremendo que congrega a vontade, a determinação, a obstinação. Talvez fosse gente habituada a perscrutar o céu e, de coração sincero e ardente, no desejo de um encontro que sacia a vida e não apenas a aprendizagem de uma ideia, doutrina ou mandamento, ambiciona encontrar, conhecer, estar com Jesus. Talvez fosse gente ávida por enamorar-se completamente, até os próprios sonhos se confundirem com os do Céu! Quem nos dera desejar também o Céu, deste modo obstinado…
Bem-aventurados Filipe e André, de ontem e de hoje, capazes de demonstrar ao mundo que é possível caminhar, ver e encontrar o Senhor da história!

O caminho secreto do Evangelho
A resposta de Jesus aponta para a hora cruz, onde se manifesta a beleza do amor e a glória de Deus. Como o grão, abandonado às entranhas da terra, após o inverno, brota, se torna planta, espiga, multitude de grão até ser possível o pão, assim é o caminho de Jesus. A atenção do Mestre não está no morrer, mas na fecundidade do fruto. A sua glória não é a morte, mas a vida, multiplicada e ressuscitada. Talvez a nossa religiosidade lúgubre se centre na renúncia e na mortificação, porque não descobriu a beleza da dádiva, a primavera do grão, a fecundidade do amor.
Ainda hoje Deus continua a imergir na discrição da nossa história, por mais escura e triste que seja. Como o grão, semeado na aridez, enterrado no silêncio, distante do clamor e visibilidade dos aplausos, Ele traz consigo a potência de uma vida nova. Semeado em mim, o Filho de Deus é vulcão da existência, fermento de pão e abraços, para que a solidão seja vencida pela comunhão, o silêncio pela palavra, o esquecimento pela presença. Deus sabe que a dinâmica do dom, espiral de vida, mesmo esquecida e soterrada, a seu tempo produzirá bela flor e saboroso fruto.

A profecia da cruz
O grão de trigo, cinco pães e dois peixes, duas moedas da viúva… quase nada no oceano da humanidade! E este “quase nada” nas mãos de Deus torna-se fermento de multiplicação, dilatação de vida, antecipação da ressurreição.
Como são belas as espigas que escalam o céu, caules dançantes ao som do vento, pétalas acariciadas pelo sol… Diante delas esquecemos o frio do inverno, o odor putrefacto da decomposição da semente, a sujidade do húmus… Perante aquele homem nu e morto na cruz, exibido como criminoso, também nós facilmente esquecemos que Jesus é o poema de amor que Deus dedica a cada um de nós, que para não ficarmos sós o amor teve de morrer, e que a cruz é profecia da primavera! Acreditar no Evangelho é ver já a espiga doirada de grão onde todos os outros apenas adivinham o falecimento e a decomposição. O alto do calvário, caros amigos e amigas, é o único lugar onde marcam um encontro para eternamente se abraçar a história do homem e o Evangelho.

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, as contrariedades da vida, são desafios que provocam a minha fé e me pedem atitudes positivas de entrega. Seguir-Te no caminho da Cruz não é uma máxima abstracta, mas é o modo de lidar
com a contrariedade de cada dia de modo a transforma-las em oportunidades de multiplicação do bem.
Senhor, que a sementeira da Tua Palavra nos meus ouvidos, abertos na fonte batismal,
seja um reforço de energia vital que me ajude a transformar o mal em bem!

Viver a Palavra 
Como Jesus, quero semear a minha vida para que se torne pão para os irmãos.