Mistagogia da Palavra
A enfermidade e o sofrimento encarnam a fraqueza e a fragilidade humanas, sujeitas à eventualidade do inesperado e do imprevisto. Mas as curas realizadas por Cristo são o sinal de que o Reino de Deus está no meio de nós. São um momento da salvação trazida por Cristo; significam a cura radical que toda a criação alcança em Cristo. A libertação da doença, que a ciência realiza, assume uma significação particular no contexto do símbolo da libertação radical. Debelar uma enfermidade, eliminar uma praga social é simbolo-sacramento da libertação para a qual o Pai conduz a humanidade.
A 1ª leitura é do Livro de Job. Job sofre horrivelmente. Para ele a vida é apenas desgraças e dor. E não vê esperança de mudança. Então não sofre em silêncio, mas desabafa toda a sua dor diante do Senhor. A oração de Job é feita de gritos e de lágrimas: “Recordai-vos”, Senhor! Quem grita e chora, mesmo que o não saiba, está a invocar a Deus.
A 2ª leitura é da Primeira Epístola de S. Paulo aos Coríntios. Paulo prega o Evangelho por um dever de consciência, pois foi essa a missão que recebeu. E como recompensa nada mais quer para além da alegria que nasce do doar-se total e gratuitamente aos irmãos. E com esta disponibilidade ele pode ser “tudo para todos”.
O Evangelho é segundo S. Marcos. Jesus em Cafarnaum faz as primeiras curas, expulsa demónios, prega a palavra de Deus e ainda encontra tempo para rezar ao Pai mesmo à custa do seu descanso. E não se limita a permanecer numa localidade, pois há outras necessidades a atender. Curando os doentes, Jesus mostra também que, com a sua vinda, se iniciou o mundo novo, de onde será banido o traço de sofrimento. O reino do mal, tudo o que impede o homem de ser homem já começou a ser atacado e vencido.
A Palavra do Evangelho
Diante da Palavra
Vem Espírito Santo, abre as portas da minha generosidade para ir aos “lugares” onde a tua libertação quer semear-se.
Evangelho Mc 1, 29-39
Naquele tempo, Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, a casa de Simão e André. A sogra de Simão estava de cama com febre e logo Lhe falaram dela. Jesus aproximou-Se, tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a e ela começou a servi-los. Ao cair da tarde, já depois do sol-posto, trouxeram-Lhe todos os doentes e possessos e a cidade inteira ficou reunida diante da porta. Jesus curou muitas pessoas, que eram atormentadas por várias doenças, e expulsou muitos demónios. Mas não deixava que os demónios falassem, porque sabiam quem Ele era. De manhã, muito cedo, levantou-Se e saiu. Retirou-Se para um sítio ermo e aí começou a orar. Simão e os companheiros foram à procura d’Ele e, quando O encontraram, disseram-Lhe: «Todos Te procuram». Ele respondeu-lhes: «Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de pregar aí também, porque foi para isso que Eu vim». E foi por toda a Galileia, pregando nas sinagogas e expulsando os demónios.
Caros amigos e amigas, neste domingo, saímos da sinagoga com Jesus para ir ao encontro dos irmãos. Está lançado o desafio de ir a outros lugares curar, abraçar, tocar, aproximar(-se)!
Interpelações da Palavra
Falaram dela
Jesus continua a surgir como peregrino, caminheiro nos trilhos de cada homem e mulher, de cada estrada e cidade. Entra em casa, constrói laços e aproxima-se da realidade de cada história. Nesta experiência do encontro, sentados, talvez, sem tempo, falam a Jesus da dor, da febre da sogra de Simão. Falaram dela… e Jesus aproxima-se ainda mais, toma-a pela mão e levanta-a. Jesus
Hoje, também falamos muito uns dos outros. Não há refeição ou encontro que não se fale de doenças e mortes, catástrofes naturais e desastres políticos. Criticamos facilmente, damos soluções instantâneas aos males dos outros, medimos com medidas adaptadas à hora e ao momento, que raramente utilizamos para nós e falamos, falamos muito dos outros… mas será o “mesmo falar” daquela casa onde estava Jesus? Falamos dos outros, e de nós, a Jesus? Como? Com que fim? Não precisaremos que Jesus cure as nossas conversas? Não estaremos com febres bem altas nas relações interpessoais?
Eram atormentados
É Jesus que se aproxima, procura, toca e dá nova vida, liberta. Jesus é mão que levanta. Falam-lhe da sogra de Simão e cura-a, trazem-lhe todos os doentes e possessos da cidade e cura-os. A doença atormenta-nos, cria-nos insegurança, lembra-nos que nada está seguro… e é Jesus quem se faz presente, quem abraça e toca as feridas que nos assustam e limitam. “A cidade inteira estava reunida diante da porta”… sim, diante de Jesus que é a porta. Em Jesus encontramos a vida que tanto ansiamos, como terra árida. Em Jesus encontramos o ombro que segura as lágrimas das surpresas, da dor e da limitação. Em Jesus encontramos o colo na solidão da dúvida do amanhã. Por mais que a ciência evolua, caros irmãos e irmãs, a doença continua a desafiar-nos a fé. Mas quem verdadeiramente crê, deixa que Jesus Ressuscitado o toque e cure.
Vamos a outros lugares
A madrugada de oração de Jesus, relatada no texto bíblico, parece ser um intervalo na dinâmica da missão.
Todos procuram Jesus, todos precisam a sua paz, a sua alegria, os seus milagres. Todos precisam sentir a sua mão, ouvir as suas palavras, tocar o seu manto… e Jesus avança, vai ao encontro, a outros lugares, “porque foi para isso que eu vim”.
Com Jesus, vão também os desassossegados do Reino, os que não criam ninhos nos sofás, os que não se agarram às famas dos lugares, os que não têm medo da mudança, os que deixam espaço ao Espírito Santo. Com Jesus, vão também os que escutam as periferias, os que descobrem a sede do irmão, os que não têm medo de tocar o outro, os que se misturam e são fermento. Com Jesus, amigos e amigas, vamos a outros lugares e, na força de cada manhã de oração, semear a luz de uma vida sempre nova e ressuscitada e ser Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, na febre acesa que faz delirar a minha razão, busco a lucidez do Teu Espírito:
envolve-me no fogo do entusiasmo pela Verdade, para que me torne voz da Tua Palavra.
Nas dores que assaltam a minha paz, nas contrariedades, busco alcançar serenidade:
concede-me, Senhor, tal atenção aos outros, que possa ser semente de paz à minha volta.
Nas doenças que minam o meu ser humano, procuro aquele equilíbrio que me humaniza:
Cura as chagas do meu pecado e regenera-me, para que seja anuncio da tua misericórdia!
Viver a Palavra
Vou seguir Jesus pelas estradas que conduzem aos irmãos para curar a (minha) humanidade.