As experiências religiosas de contacto e comunhão com Deus, não são todas iguais porque nós também somos ao mesmo tempo iguais e diferentes uns dos outros. O ponto de partida é o mesmo em todas as pessoas: a abertura do coração a Deus, cultivar a humildade e a disponibilidade. Mas, depois, o encontro com Deus é diversificado: pode ser num lugar sagrado, como aconteceu com o profeta Isaías; ou pode ser no desenvolvimento das actividades diárias, como aconteceu com os primeiros discípulos de Jesus que eram pescadores no lago da Galileia. O resultado deste contacto com Deus pode ser a contemplação da Sua majestade (Isaías) ou a admiração pelo resultado de uma obra extraordinária: a pesca abundante. Apesar destas reacções diferentes, descobre-se um elemento comum: o reconhecimento da incapacidade humana perante o poder de Deus; e do pecado que nos afasta tantas vezes d’Ele.

1. Deus chama

– A história da salvação regista, ao longo dos tempos, vários episódios de vocação (Abraão, Moisés, diferentes condutores do povo, os profetas, os discípulos de Jesus,…). Deus quer sempre a colaboração humana para levar por diante a sua obra de salvação: “que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4)…
– O chamamento de Deus dá-se quase sempre de improviso e em circunstâncias muito variadas: pode ser numa celebração no templo (Isaías) ou no exercício da profissão (Pedro e os companheiros) …
– Aquele que é chamado considera-se, normalmente, incapaz (Isaías: “Ai de mim, que estou perdido, sou um homem de lábios impuros…; Pedro: “Afasta-te de mim, Senhor, que sou pecador”; Paulo [2ª leit], também ele chamado no caminho de Damasco, diz que “é o ultimo, o que nasceu como de um aborto”) …
– Mas todos os chamados têm em comum uma coisa: apesar de se considerarem frágeis e reconhecerem as suas incapacidades, colocam-se à disposição de Deus para enfrentar a missão: “Eis-me aqui, envia-me” (Isaías); “serás pescador de homens… eles deixaram tudo e seguiram Jesus” (Pedro e os companheiros) …
– Outra característica dos que são chamados é o encontro pessoal que acompanha a fé e, no caso dos que são chamados por Jesus, a experiência dá-se dentro de um grupo onde se salienta Simão… O grupo também é importante: mesmo quando não é referido noutros chamamentos, o que é facto é que a vocação realiza-se sempre numa comunidade de fé e os que respondem são os que, como Isaías e Pedro, têm os lábios impuros e vivem no meio de um povo pecador; são os pecadores e indignos que Deus escolhe porque são eles os primeiros a experimentar o amor e a misericórdia de Deus …
– Para que a vocação seja manifesta exige-se a decisão e a generosidade da resposta: “deixaram tudo e seguiram Jesus”…

2. A missão dos chamados

– O Evangelho refere como a multidão se juntava à volta de Jesus para o ouvir ao ponto de Ele ter tido necessidade de requisitar a barca de Pedro para lhe falar um pouco afastado da margem onde as pessoas estavam aglomeradas… Jesus tinha despertado interesse e as pessoas seguiam-no com entusiasmo porque se sentiam atraídas pela sua palavra e pelo modo como Ele se relacionava com todos…
– Hoje parece que esse encanto pela pessoa e pela mensagem de Jesus já não existe ou, pelo menos, já não se manifesta na procura e na adesão das pessoas como parecem sugerir os textos do Novo Testamento. Por que será?… Tantas vezes fazemos a experiência daqueles homens que “andaram na faina toda a noite sem apanhar nada”…
– Dá a impressão que o que falta é “ter Jesus na barca” porque muitas vezes andamos à procura de meios e oportunidades, de recursos adequados, e acabamos por nos centrar em nós próprios e nas nossas próprias capacidades sem termos a coragem de “nos fazer ao largo e lançar as redes”, com Jesus…
– Entrar no mar é entrar nos problemas dos homens e procurar compreendê-los… Fazendo-se ao largo em pleno dia, pode ter como resultado uma pesca extraordinária… É preciso é que Jesus esteja na barca e o lugar não seja ocupado por nós próprios ou por outro qualquer…
– Quando Jesus encarrega Pedro de “pescar homens” pode surpreender-nos esta linguagem… A expressão até pode ser manipulada de muitas maneiras…. Mas, o mar, na antiguidade, e também na tradição bíblica, era o lugar da presença dos monstros, de animais perigosos e representava, portanto, um conjunto de forças hostis ao homem, o conjunto das dificuldades no anúncio do Evangelho… “Tirar do mar”, “lançar as redes”, significa “libertar, salvar, tirar do perigo…”
– A barca é também símbolo da Igreja, que, no mar, pode enfrentar vários perigos… No entanto, é neste mar que deve navegar e, tendo Jesus presente, lança as redes para salvar muitos: “apanharam um grande número de peixes”…
– A missão confiada a Pedro – “Serás pescador de homens” – significa que ele será agente da sua libertação, ocupar-se-á dos homens que vivem no meio de dificuldades e sujeitos a muitos perigos e libertá-los-á… É esta a missão dos que vão com Jesus na barca, isto é, estão na Igreja…