Mistagogia da Palavra

A liturgia deste domingo apresenta-nos algumas pessoas que foram chamadas a desempenhar a missão de anunciadores da palavra de Deus. Todos se sentem indignos, incapazes e inadequados. Mas também é dito que a falta de preparação e a sua indignidade não são motivo de desistir. O que é preciso é ter a consciência de que é Deus que chama, que a obra é d’Ele e que purifica os seus profetas e os seus apóstolos e os habilita a anunciar a sua mensagem. Da parte destes o que têm a fazer é confiar e avançar com a sua colaboração e actualização e lançarem as redes sem medo.
A 1ª leitura é do Livro do Profeta Isaías. Este profeta, enquanto se encontra em oração no templo, de Jerusalém, tem um a visão interior da glória de Deus, visão que ele descreve em termos humanos, e dá-se conta de que o Senhor o chama a ser profeta. Sente, por um lado a santidade de Deus e, por outro, a própria indignidade. Purificados os seus lábios pelo fogo sagrado, responde: “Eis-me aqui, podeis enviar-me”.
A 2ª leitura é da Primeira Epístola aos Coríntios. Perante a dúvida de alguns cristãos de Corinto no que respeita à Ressurreição, S. Paulo lembra-lhes a profissão de fé que tinham feito e que já vinha de trás: “Foi sepultado e ressuscitou os terceiro dia, segundo as Escrituras”. Lembra depois as seis aparições de Jesus ressuscitado aos vários discípulos, que assim chegam à fé na Ressurreição guiados pelas Escrituras e pelo Espírito Santo. O próprio Paulo, de perseguidor da Igreja, é agora aquele que, com a graça de Deus, trabalha mais que todos os outros.
Na 3ª leitura, do Evangelho, S. Lucas narra-nos o chamamento dos três primeiros Apóstolos. Jesus, depois de anunciar a palavra, da barca de Pedro, passa à acção. Por sugestão de Jesus, Pedro, embora resistente, lança o barco ao largo, e a pesca é abundantíssima. Pedro sente a sua indignidade, mas é confortado pelo Senhor, que o chama a ser pescador de homens. Hoje é a comunidade cristã que, animada pela mensagem evangélica que ouviu e assimilou, se dispersa pelos caminhos do mundo, para cumprir a missão que lhe foi confiada, sempre sobre o olhar e a orientação de Pedro.

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra
Espírito de Deus, que te moves sobre a superfície das águas (cf Gn 1,1), faz-nos sentir-te intensamente.

Evangelho    Lc 5, 1-11
Naquele tempo, estava a multidão aglomerada em volta de Jesus, para ouvir a palavra de Deus. Ele encontrava-Se na margem do lago de Genesaré e viu dois barcos estacionados no lago. Os pescadores tinham deixado os barcos e estavam a lavar as redes. Jesus subiu para um barco, que era de Simão, e pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra. Depois sentou-Se e do barco pôs-Se a ensinar a multidão. Quando acabou de falar, disse a Simão: «Faz-te ao largo e lançai as redes para a pesca». Respondeu-Lhe Simão: «Mestre, andámos na faina toda a noite e não apanhámos nada. Mas, já que o dizes, lançarei as redes». Eles assim fizeram e apanharam tão grande quantidade de peixes que as redes começavam a romper-se. Fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco, para os virem ajudar; eles vieram e encheram ambos os barcos, de tal modo que quase se afundavam. Ao ver o sucedido, Simão Pedro lançou-se aos pés de Jesus e disse-Lhe: «Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador». Na verdade, o temor tinha-se apoderado dele e de todos os seus companheiros, por causa da pesca realizada. Isto mesmo sucedeu a Tiago e a João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão. Jesus disse a Simão: «Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens». Tendo conduzido os barcos para terra, eles deixaram tudo e seguiram Jesus.


Irmãs e irmãos em Cristo, sentimo-nos convocados para escutar Jesus com a máxima atenção e O acolher com a melhor disposição interior. A firmeza da sua Palavra irrompe em nós a audácia de nos fazermos ao largo.

Interpelações da Palavra
“…Jesus subiu para um barco e pôs-Se a ensinar a multidão” (v. 3)
Na margem do lago ou na mesma barca, todos podemos escutar Jesus ensinando-nos a viver. Podemos gravar a mensagem mais importante para o momento da vida que atravessamos, sabendo que a Palavra de Jesus é libertadora. Estou disponível para deslizar o ecrã das minhas memórias a fim de descobrir as passagens evangélicas que potenciar a minha conversão?

“«Faz-te ao largo e lançai as redes para a pesca». Respondeu-Lhe Simão «Mestre, andámos na faina toda a noite e não apanhámos nada. Mas, já que o dizes, lançarei as redes»” (v. 5)
“Duc in altum” (faz-te ao largo) repetiu S. João Paulo II no início do terceiro milénio, após o Jubileu do ano 2000. Também hoje, a força atuante das Palavras “Duc in altum” ressoa no nosso íntimo através do testemunho dos mártires cristãos deste século que, numa obediência confiante à voz do Espírito de Deus, foram impelidos a lançar as redes em ambientes obscuros dominados por forças maléficas. Evoco os apelos do Papa Francisco aos líderes europeus para darem guarida aos migrantes resgatados por ONG´s.
O convite de Jesus a “fazer-se ao largo” é válido também para despender energias interiores, a rezar pelos outros, mesmo que, por vezes, não vejamos logo os frutos dessa oração. Todos podemos repetir, com fé: “Mestre divino de oração, rezei toda a noite e nada mudou. Mas, já que o dizes, entrarei em união íntima com o Pai, seguindo o teu exemplo”.

“Simão Pedro lançou-se aos pés de Jesus e disse-Lhe: «Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador»” (v. 8)
O exemplo de Pedro é desafio a reconhecer Jesus como meu Senhor, como Dono da minha vida, da minha história, a evocar os momentos em que me salvou das águas pantanosas. O reconhecimento da misericórdia divina leva-me a usar de misericórdia e a rezar por todos e não apenas por quem me compreende?

 “Jesus disse a Simão: «Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens»” (v. 10)
Permito que o imperativo de Jesus “Não temas” dissipe os meus medos? Estou consciente de que Jesus continua a convocar-nos para libertarmos as pessoas que vivem afogadas pelos mais variados motivos?

“Eles deixaram tudo e seguiram Jesus” (v. 11)
Deixar tudo porque se quer seguir Jesus, reconhecendo nele o Único que vale a pena seguir. Será esta a minha contínua opção de vida?

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Jesus, Tu entras na barca da minha vida e aí me ensinas.
A Tua presença não me deixa refém dos meus fracassos,
A força da Tua Palavra leva-me a uma obediência confiante!
Jesus, Tu és o Senhor, o meu salvador.
O encontro contigo impele-me a seguir-te

Viver a Palavra
Nesta semana, imploro o dom da fortaleza do Espírito para obedecer com ânimo aos desafios do Mestre.

Irmã Maria Florbela, SFRJS