Água, luz e vida: através deste itinerário estamos a aproximar-nos da grande solenidade da Páscoa, da cidade de Jerusalém, na Judeia, onde a revelação de Jesus será plena. É o mistério Pascal: mistério de dor e de amor de Deus feito vida, morte e ressurreição.
Já Ezequiel profetizara a abertura dos túmulos em que jazia o povo para lhe dar uma vida nova e os reconduzir à terra. Nestas palavras do profeta pode ver-se o anúncio do regresso do povo à sua terra, depois da trágica experiência do exílio, mas também a dádiva de uma vida nova para todos os povos que acreditam que Deus arranca da morte os que nela estão prostrados.
1. Os mortos
Não é só Lázaro que ressuscita: somos todos nós que precisamos de ser ressuscitados por Jesus… O que os diversos personagens fazem e dizem no texto do Evangelho, leva-nos a descobrir que há muitos mortos a quem é preciso dar vida:
– Os que vivem no medo e na cobardia, representados pelos apóstolos que recordam que ainda há bem pouco tempo queriam matar Jesus na Judeia e, segundo eles, se Lázaro estava a dormir, haveria de acordar… O medo paralisa o homem e, como aos apóstolos, aos que têm medo, só restam duas alternativas: a resignação e o abandono. O abandono virá depois; agora, resignam-se: “vamos nós também para morrermos com ele”… O medo só nos leva a ver perigos em todo o lado, e não é evangélico…
– Outra forma de morte é o choro e a falta de esperança: choram as irmãs de Lázaro que, ao mesmo tempo, fazem reparos à atitude de Jesus (“se tivesses estado aqui…”); choram os judeus, vindos de Jerusalém, misturando o choro com críticas a Jesus e acusações de blasfémia… Estes tipos de choro só olham para o passado (assim como alguns grupos de cristãos que só sabem chorar pelo passado!… São cristãos sem futuro, estão mortos…).
– Jesus também chorou mas, o seu choro foi muito diferente: é o choro do amor e da esperança… “vede como ele o amava”, comentavam as pessoas… E ele acrescenta: “quem crê em mim, nunca morrerá”… É com esta disposição que se dirige ao túmulo; não é para chorar nem para sentir os seus odores, os da morte…
2. Sair do túmulo
Quase podíamos dizer que este relato é uma tragicomédia: um texto onde mortos choram por um morto e os leitores descobrem que choram é por eles próprios…
– Lázaro é o símbolo mais acabado do poder da morte sobre os vivos e os mortos: está no túmulo, uma cova cavada na rocha; sobre ela uma pedra pesada; dentro, um cadáver, envolvido num sudário, com o rosto, os pés e as mãos atadas… Para quê tantos pormenores?… Não será este o estado de tantos e de tantas comunidades que parecem autênticos monumentos funerários? Não seremos nós como Lázaro merecedores apenas de lamentos e de prantos?…
– “Lázaro, sai para fora!”… É este o grito que é dirigido a cada um de nós: é preciso tirar as ligaduras, desvendar os olhos, desatar as mãos e os pés e pôr-se a caminho, sem medo…
– Não adianta dar a vida a quem não quer viver… Lázaro representa a Jesus na sua vitória sobre a morte e representa-nos a todos nós, que queremos deixar o nosso túmulo e viver… Queremos sair da putrefacção dos nossos egoísmos e do isolamento do nosso túmulo… Isto é obra do Espírito (2ª leit).
LEITURA I Ez 37, 12-14
«Infundirei em vós o meu espírito e revivereis»
Assim fala o Senhor Deus:
«Vou abrir os vossos túmulos
e deles vos farei ressuscitar, ó meu povo,
para vos reconduzir à terra de Israel.
Haveis de reconhecer que Eu sou o Senhor,
quando abrir os vossos túmulos
e deles vos fizer ressuscitar, ó meu povo.
Infundirei em vós o meu espírito e revivereis.
Hei-de fixar-vos na vossa terra,
e reconhecereis que Eu, o Senhor, digo e faço».
SALMO RESPONSORIAL Salmo 129 (130),1-2.3-4ab.4c-6.7-8 (R. 7)
Refrão: No Senhor está a misericórdia e abundante redenção.
Ou: No Senhor está a misericórdia, no Senhor está a plenitude da redenção.
Do profundo abismo chamo por Vós, Senhor,
Senhor, escutai a minha voz.
Estejam os vossos ouvidos atentos
à voz da minha súplica.
Se tiverdes em conta as nossas faltas,
Senhor, quem poderá salvar-se?
Mas em Vós está o perdão
para Vos servirmos com reverência.
Eu confio no Senhor,
a minha alma confia na sua palavra.
A minha alma espera pelo Senhor,
mais do que as sentinelas pela aurora.
Porque no Senhor está a misericórdia
e com Ele abundante redenção.
Ele há-de libertar Israel
de todas as suas faltas.
LEITURA II Rom 8, 8-11
«O Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós»
Irmãos:
Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus.
Vós não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito,
se é que o Espírito de Deus habita em vós.
Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo,
não Lhe pertence.
Se Cristo está em vós,
embora o vosso corpo seja mortal por causa do pecado,
o espírito permanece vivo por causa da justiça.
E, se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos
habita em vós,
Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos,
também dará vida aos vossos corpos mortais,
pelo seu Espírito que habita em vós.
EVANGELHO Forma longa Jo 11, 1-45
«Eu sou a ressurreição e a vida»
Naquele tempo,
estava doente certo homem, Lázaro de Betânia,
aldeia de Marta e de Maria, sua irmã.
Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com perfume
e Lhe tinha enxugado os pés com os cabelos.
Era seu irmão Lázaro, que estava doente.
As irmãs mandaram então dizer a Jesus:
«Senhor, o teu amigo está doente».
Ouvindo isto, Jesus disse:
«Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus,
para que por ela seja glorificado o Filho do homem».
Jesus era amigo de Marta, de sua irmã e de Lázaro.
Entretanto, depois de ouvir dizer que ele estava doente,
ficou ainda dois dias no local onde Se encontrava.
Depois disse aos discípulos:
«Vamos de novo para a Judeia».
Os discípulos disseram-Lhe:
«Mestre, ainda há pouco os judeus procuravam apedrejar-Te,
e voltas para lá?».
Jesus respondeu:
«Não são doze as horas do dia?
Se alguém andar de dia, não tropeça,
porque vê a luz deste mundo.
Mas, se andar de noite, tropeça,
porque não tem luz consigo».
Dito isto, acrescentou:
«O nosso amigo Lázaro dorme, mas Eu vou despertá-lo».
Disseram então os discípulos:
«Senhor, se dorme, estará salvo».
Jesus referia-se à morte de Lázaro,
mas eles entenderam que falava do sono natural.
Disse-lhes então Jesus abertamente:
«Lázaro morreu;
por vossa causa, alegro-Me de não ter estado lá,
para que acrediteis.
Mas vamos ter com ele».
Tomé, chamado Dídimo, disse aos companheiros:
«Vamos nós também, para morrermos com Ele».
Ao chegar, Jesus encontrou o amigo sepultado havia quatro dias.
Betânia distava de Jerusalém cerca de três quilómetros.
Muitos judeus tinham ido visitar Marta e Maria,
para lhes apresentar condolências pela morte do irmão.
Quando ouviu dizer que Jesus estava a chegar,
Marta saiu ao seu encontro,
enquanto Maria ficou sentada em casa.
Marta disse a Jesus:
«Senhor, se tivesses estado aqui,
meu irmão não teria morrido.
Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus,
Deus To concederá».
Disse-lhe Jesus: «Teu irmão ressuscitará».
Marta respondeu:
«Eu sei que há-de ressuscitar na ressurreição do último dia».
Disse-lhe Jesus:
«Eu sou a ressurreição e a vida.
Quem acredita em Mim,
ainda que tenha morrido, viverá;
e todo aquele que vive e acredita em Mim nunca morrerá.
Acreditas nisto?».
Disse-Lhe Marta:
«Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus,
que havia de vir ao mundo».
Dito isto, retirou-se e foi chamar Maria,
a quem disse em segredo:
«O Mestre está ali e manda-te chamar».
Logo que ouviu isto, Maria levantou-se e foi ter com Jesus.
Jesus ainda não tinha chegado à aldeia,
mas estava no lugar em que Marta viera ao seu encontro.
Então os judeus que estavam com Maria em casa
para lhe apresentar condolências,
ao verem-na levantar-se e sair rapidamente,
seguiram-na, pensando que se dirigia ao túmulo para chorar.
Quando chegou aonde estava Jesus,
Maria, logo que O viu, caiu-Lhe aos pés e disse-Lhe:
«Senhor, se tivesses estado aqui,
meu irmão não teria morrido».
Jesus, ao vê-la chorar,
e vendo chorar também os judeus que vinham com ela,
comoveu-Se profundamente e perturbou-Se.
Depois perguntou: «Onde o pusestes?».
Responderam-Lhe: «Vem ver, Senhor».
E Jesus chorou.
Diziam então os judeus:
«Vede como era seu amigo».
Mas alguns deles observaram:
«Então Ele, que abriu os olhos ao cego,
não podia também ter feito que este homem não morresse?».
Entretanto, Jesus, intimamente comovido, chegou ao túmulo.
Era uma gruta, com uma pedra posta à entrada.
Disse Jesus: «Tirai a pedra».
Respondeu Marta, irmã do morto:
«Já cheira mal, Senhor, pois morreu há quatro dias».
Disse Jesus:
«Eu não te disse que, se acreditasses,
verias a glória de Deus?».
Tiraram então a pedra.
Jesus, levantando os olhos ao Céu, disse:
«Pai, dou-Te graças por Me teres ouvido.
Eu bem sei que sempre Me ouves,
mas falei assim por causa da multidão que nos cerca,
para acreditarem que Tu Me enviaste».
Dito isto, bradou com voz forte:
«Lázaro, sai para fora».
O morto saiu, de mãos e pés enfaixados com ligaduras
e o rosto envolvido num sudário.
Disse-lhes Jesus:
«Desligai-o e deixai-o ir».
Então muitos judeus, que tinham ido visitar Maria,
ao verem o que Jesus fizera, acreditaram n’Ele.