Nas lágrimas dos homens pode ver-se a glória de Deus

O amor faz-se lágrima para lavar os olhos e despertar a fé nas coisas que não se veem. Nas lágrimas choradas por um amigo que morreu, está a presença de um Deus que não deixa ninguém na morte. No choro de um povo oprimido, está o grito de um Deus que se faz homem para abrir os túmulos. No vale de lágrimas da humanidade ferida, faz-se ouvir a voz do vento que traz o Espírito da vida.

LEITURA I Ez 37, 12-14

Assim fala o Senhor Deus: «Vou abrir os vossos túmulos e deles vos farei ressuscitar, ó meu povo, para vos reconduzir à terra de Israel. Haveis de reconhecer que Eu sou o Senhor, quando abrir os vossos túmulos e deles vos fizer ressuscitar, ó meu povo. Infundirei em vós o meu espírito e revivereis. Hei de fixar-vos na vossa terra, e reconhecereis que Eu, o Senhor, digo e faço».

A situação desesperada do povo no exílio de Babilónia assemelha-se à morte, à descida ao túmulo. Perante esta desolação, o profeta anuncia que o Senhor vai levantar cada um do túmulo onde se encontra e, pelo seu Espírito, os fará reviver na terra de Israel.

Salmo responsorial 129 (130),1-2.3-4ab.4c-6.7-8 (R. 7)
Como os Israelitas se sentiam em Babilónia, o salmista sente a sua vida sepultada na angústia, mergulhada no abismo profundo, de onde apenas pode sair a sua voz. Entre o fundo abismo e o céu há uma grande distância e o salmista espera que a sua voz seja escutada por Deus, porque só ele o pode salvar.

LEITURA II Rm 8, 8-11

Irmãos: Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus. Vós não estais sob o domínio da carne, mas do Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo, não Lhe pertence. Se Cristo está em vós, embora o vosso corpo seja mortal por causa do pecado, o espírito permanece vivo por causa da justiça. E, se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós.

Do mesmo modo que o Espírito anima os Israelitas no desterro de Babilónia, ele atua no cristão, habitando nele e sendo nele fonte de vida nova e de ressurreição.

EVANGELHO Forma longa Jo 11, 1-45

Naquele tempo, estava doente certo homem, Lázaro de Betânia, aldeia de Marta e de Maria, sua irmã. Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com perfume e Lhe tinha enxugado os pés com os cabelos. Era seu irmão Lázaro, que estava doente. As irmãs mandaram então dizer a Jesus: «Senhor, o teu amigo está doente». Ouvindo isto, Jesus disse: «Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus, para que por ela seja glorificado o Filho do homem». Jesus era amigo de Marta, de sua irmã e de Lázaro. Entretanto, depois de ouvir dizer que ele estava doente, ficou ainda dois dias no local onde Se encontrava. Depois disse aos discípulos: «Vamos de novo para a Judeia». Os discípulos disseram-Lhe: «Mestre, ainda há pouco os judeus procuravam apedrejar-Te, e voltas para lá?». Jesus respondeu: «Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas, se andar de noite, tropeça, porque não tem luz consigo». Dito isto, acrescentou: «O nosso amigo Lázaro dorme, mas Eu vou despertá-lo». Disseram então os discípulos: «Senhor, se dorme, estará salvo». Jesus referia-se à morte de Lázaro, mas eles entenderam que falava do sono natural. Disse-lhes então Jesus abertamente: «Lázaro morreu; por vossa causa, alegro-Me de não ter estado lá, para que acrediteis. Mas vamos ter com ele». Tomé, chamado Dídimo, disse aos companheiros: «Vamos nós também, para morrermos com Ele». Ao chegar, Jesus encontrou o amigo sepultado havia quatro dias. Betânia distava de Jerusalém cerca de três quilómetros. Muitos judeus tinham ido visitar Marta e Maria, para lhes apresentar condolências pela morte do irmão. Quando ouviu dizer que Jesus estava a chegar, Marta saiu ao seu encontro, enquanto Maria ficou sentada em casa. Marta disse a Jesus: «Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá». Disse-lhe Jesus: «Teu irmão ressuscitará». Marta respondeu: «Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia». Disse-lhe Jesus: «Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em Mim não morrerá para sempre. Acreditas nisto?». Disse-Lhe Marta: «Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo». Dito isto, retirou-se e foi chamar Maria, a quem disse em segredo: «O Mestre está ali e manda-te chamar». Logo que ouviu isto, Maria levantou-se e foi ter com Jesus. Jesus ainda não tinha chegado à aldeia, mas estava no lugar em que Marta viera ao seu encontro. Então os judeus que estavam com Maria em casa para lhe apresentar condolências, ao verem-na levantar-se e sair rapidamente, seguiram-na, pensando que se dirigia ao túmulo para chorar. Quando chegou aonde estava Jesus, Maria, logo que O viu, caiu-Lhe aos pés e disse-Lhe: «Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido». Jesus, ao vê-la chorar, e vendo chorar também os judeus que vinham com ela, comoveu-Se profundamente e perturbou-Se. Depois perguntou: «Onde o pusestes?». Responderam-Lhe: «Vem ver, Senhor». E Jesus chorou. Diziam então os judeus: «Vede como era seu amigo». Mas alguns deles observaram: «Então Ele, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito que este homem não morresse?». Entretanto, Jesus, intimamente comovido, chegou ao túmulo. Era uma gruta, com uma pedra posta à entrada. Disse Jesus: «Tirai a pedra». Respondeu Marta, irmã do morto: «Já cheira mal, Senhor, pois morreu há quatro dias». Disse Jesus: «Eu não te disse que, se acreditasses, verias a glória de Deus?». Tiraram então a pedra. Jesus, levantando os olhos ao Céu, disse: «Pai, dou-Te graças por Me teres ouvido. Eu bem sei que sempre Me ouves, mas falei assim por causa da multidão que nos cerca, para acreditarem que Tu Me enviaste». Dito isto, bradou com voz forte: «Lázaro, sai para fora». O morto saiu, de mãos e pés enfaixados com ligaduras e o rosto envolvido num sudário. Disse-lhes Jesus: «Desligai-o e deixai-o ir». Então muitos judeus, que tinham ido visitar Maria, ao verem o que Jesus fizera, acreditaram n’Ele.

É no meio de lágrimas que Marta e Maria fazem a experiência da fé que faz ver em Jesus a Ressurreição e a vida. Não sendo uma experiência fácil, é possível quando Jesus faz parte da família e como Lázaro nos deixamos habitar pelo seu amor.

Reflexão da Palavra

Os versículos que compõem o texto da primeira leitura, neste quinto domingo da quaresma, são a conclusão da visão conhecida como “visão dos ossos ressequidos” que se encontra no capítulo 37 da profecia de Ezequiel.

Ezequiel é um dos profetas do desterro de Babilónia, iniciado com uma primeira deportação cerca do ano 597 a.C. e a segunda deportação pelo ano 588 a. C.. Ezequiel terá seguido para o desterro na primeira deportação quando era ainda um jovem. Foi chamado por Deus, como ele próprio diz, “de entre os desterrados” (Ez 1,2) num lugar junto do rio Cabar, como indica 1,3. A sua profecia está repleta de visões e ações simbólicas, com as quais compõe a sua mensagem.

O pequeno texto, que se escuta este domingo, composto apenas por três versículos, tem um grande valor teológico. Depois de ter contemplado a visão dos ossos ressequidos, na qual o Espírito dá vida aos ossos espalhados pelo vale, o profeta escuta a sentença de Deus. Sentença fala da intervenção de Deus em favor do povo que vive como se estivesse morto.

O texto está construído em dois tempos nos quais se repete o mesmo conteúdo. Primeiro Deus diz o que vai fazer e depois diz “quando eu” fizer. Que vai Deus fazer? Vai abrir os sepulcros, fazer sair deles o povo e conduzi-lo à terra de Israel. Após a repetição, surge um elemento novo, que é o Espírito. Quando tudo isto acontecer “introduzirei em vós o meu Espírito e vivereis”, o mesmo Espírito que o profeta contemplou a dar vida aos ossos ressequidos, e nos lança de imediato para o tema da ressurreição individual que só mais tarde terá lugar na esperança de Israel.

O profeta refere-se à saída do desterro e regresso a Israel, mas a forma como o faz revela mais do que ele é capaz de entender, porque dá como exemplo a morte biológica, à qual o Espírito dá novo alento, devolvendo-o à vida, expressão que encontramos na carta aos romanos “dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito”.

O salmo 129 faz parte dos salmos de penitência. Entre encadeamentos e repetições vai-se tecendo a oração de um homem que vive uma situação de desgraça, provavelmente sentindo as consequências do seu pecado e não encontra resposta senão no Senhor que, pelo perdão, o pode salvar. A profundidade do abismo revela a distância a que ele está de Deus, pois o Senhor habita os céus. Entre o homem e Deus não há outra possibilidade de encontro para além da voz “chamo por vós, escutai a minha voz, a voz da minha súplica”. Tanto o homem como Deus estão em vigília. O homem espera que Deus esteja vigilante, não para ver os seus pecados, mas, para o libertar e ele próprio está em vigília, tal como todo o Israel, “a minha alma espera o Senhor, mais do que as sentinelas pela aurora” esperando a abundância da redenção.

O capítulo 8 da carta aos romanos articula a oposição entre carne e Espírito, sendo a carne o que afasta o homem de Deus, ou seja, o pecado e toda a espécie de desordem que desequilibra o homem nas suas relações. O Espírito, é tudo aquilo que orienta o homem para Deus e o coloca na dimensão divina, acima da materialidade.

Neste capítulo está concentrado o maior número de referência ao Espírito. De facto, Paulo, faz referência ao Espírito vinte e duas vezes neste capítulo, enquanto que, em toda a carta se contam trinta e quatro referências. O Espírito é o verdadeiro protagonista deste capítulo, como pode ver-se nos quatro versículos desta leitura, onde o Espírito aparece seis vezes. O Espírito faz-nos filhos de Deus, habita em nós, livra-nos do pecado, faz-nos pertença de Cristo, torna eficaz a nossa oração, anima a nossa esperança, dá-nos uma vida nova e ressuscita-nos em Cristo. Podemos encontrar aqui alguma inspiração em Ezequiel.

O capítulo 11 do evangelho de João é totalmente preenchido com a morte e ressurreição de Lázaro. O texto pode dividir-se em cinco partes: a notícia da doença de Lázaro e a ausência de Jesus; o diálogo de Jesus com os discípulos; o diálogo de Jesus com Marta; o diálogo de Jesus com Maria; os diálogos junto do sepulcro.

Na primeira parte salienta-se a simplicidade do recado das irmãs de Lázaro a Jesus, “Senhor, o teu amigo está doente”. A forma direta, substituindo o nome de Lázaro por “o teu amigo” denota uma familiaridade entre elas e Jesus. Com estas palavras as irmãs de Lázaro, e ele próprio, esperam que Jesus os visite, mas Jesus faz sentir a sua ausência permanecendo onde está por mais dois dias. Aos que estão com ele, Jesus faz saber que a situação de Lázaro é ocasião para que se manifeste a glória de Deus e do seu filho.

Do diálogo de Jesus com os discípulos ressaltam alguns pormenores. Jesus toma a iniciativa de ir de novo para a Judeia, o que não era aconselhável, porque o queriam ali apedrejar, e os discípulos mostram resistência. Jesus diz “vamos” e eles respondem “querem-te apedrejar”, o que significa que estão fora desta cena. Para Jesus, porém, a sua morte não é para já porque a noite ainda não venceu a luz, ele é a luz. Jesus diz, “Lázaro dorme”, e os discípulos entendem que já não vale a pena arriscar a vida indo para a Judeia. Jesus confirma a morte de Lázaro e desafia-os de novo “vamos” e só aí consegue que os discípulos se disponham a acompanhá-lo “Vamos nós também, para morrermos com Ele”.

Já estamos à entrada de Betânia, e começa o diálogo de Jesus com Marta, no qual ela revela não estar no mesmo tempo de Jesus. Ela começa no passado “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido” e quando Jesus lhe fala da ressurreição ela atira para o futuro “Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia”. Jesus chama-a ao presente e para ele: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá” e exige-lhe uma profissão de fé “acreditas nisto?” porque crer é quanto basta para ter vida.

Maria entra em cena arrastando atrás de si os que estão com ela em casa. Com Maria tudo é mais emocional. Ela diz as mesmas palavras de Marta, mas aos pés de Jesus e entre lágrimas, de modo que todos choram, e Jesus “comoveu-Se profundamente e perturbou-Se”. A cena termina com Jesus a chorar e os judeus divididos entre os que reconhecem que ele amava Lázaro e os que entendem que fracassou porque curou a tantos e não curou o seu amigo.

Junto do sepulcro, Jesus comove-se interiormente, mas exteriormente está diante do grandioso sinal da morte do seu amigo e da censura de quantos entendem que ele falhou por não ter vindo curá-lo e agora entendem que ele não tem poder sobre a morte “não podia também ter feito que este homem não morresse?”. A Marta, que julga não haver nada mais do que um corpo morto e a cheirar mal, Jesus chama-a à fé “Eu não te disse que, se acreditasses, verias a glória de Deus?” E cumpre-se o que Jesus tinha dito “chegou a hora em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem viverão”. Lázaro é um desses que, ainda estando morto, ouve a voz de Jesus e sai para fora.

Meditação da Palavra

Os catecúmenos, têm neste domingo a oportunidade de repensar a sua relação com Deus a partir da fé e a sua decisão de avançar para os sacramentos da Iniciação Cristã, celebrando o terceiro escrutínio e meditando na palavra, particularmente do evangelho de João que relata a ressurreição de Lázaro.

A pergunta de Jesus a Marta pode ser o ponto de partida. Jesus pergunta: “Acreditas nisto?” Acredito que Jesus é a ressurreição e a vida? Acredito na ressurreição dos mortos? Acredito que a fé faz viver? Acredito que Jesus me pode ressuscitar a mim? São interrogações fundamentais para todo o cristão, particularmente para os catecúmenos.

Os israelitas, cativos em Babilónia, têm dificuldade em acreditar que alguém pode, algum dia, libertá-los daquela situação insustentável. Vivem como mortos, como se já tivessem descido ao sepulcro, tal é o seu desalento. A falta de esperança, o desespero, são definidos pelo profeta Ezequiel como uma morte. De facto, o povo diz “a nossa esperança desvaneceu-se; ficámos reduzidos a isto” e isto é dizer “os nossos ossos estão completamente ressequidos”. Quem pode dar vida a estes ossos? Quem pode renovar a vida deste povo? O Espírito do Senhor pode devolver a vida àqueles que a perderam, é o que o Senhor diz a Ezequiel e este repete para o povo. “Infundirei em vós o meu espírito e revivereis”. Do mesmo modo nos pode dar vida a nós que, hoje, celebramos esta palavra.

Acreditas que, estando no profundo abismo, Deus escuta a tua voz e vem salvar-te? É este desafio do salmista que dá, hoje, forma à nossa fé. Vale a pena continuar a invocar o Senhor, vigiar como as sentinelas, esperar pelo Senhor até à aurora, porque nele “está a misericórdia e abundante redenção.

Ele há de libertar Israel de todas as suas faltas”. Também a nós é oferecida a misericórdia e a abundância da redenção nesta celebração de domingo.

Lázaro está morto e com ele morreram, de algum modo, as suas irmãs Marta e Maria. Morreu, pelo menos, a esperança de ter Jesus com elas a tempo de não experimentarem a dor que a morte provoca. Mas, isso não aconteceu, porque Jesus se fez demorado, apesar de ser amigo.

Quando Jesus pergunta a Marta “acreditas nisto?” ele pergunta “até onde é capaz de ir a tua fé?” e pergunta-nos a nós o mesmo. Que pode Jesus fazer com a nossa fé? Pode ressuscitar-nos? Pode Cristo levantar-nos do túmulo dos nossos desalentos, arrancar-nos do profundo abismo dos dramas provocados pelos nossos pecados, libertar-nos do domínio da carne e ressuscitar-nos da morte? “Eu não te disse que, se acreditasses, verias a glória de Deus?” Esta é a resposta perante as muitas manifestações de morte que experimentamos ao longo da vida.

Os batizados fomos chamados a viver segundo as razões do Espírito e não segundo as razões da carne. Temos como certeza que “o Espírito de Deus habita em vós” e “Cristo está em vós” e, por isso acreditamos que “Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós”.

Rezar a Palavra

Vem, dos quatro ventos, Espírito de Deus e faz-nos viver, a nós, que por causa das obras da carne experimentamos o abismo profundo, o vazio do túmulo, a tristeza da morte. Como aos ossos ressequidos, dá-nos a vida. Como ao teu povo desalentado, faz-nos viver. Como a Lázaro, diz-nos: “sai para fora” até dizermos como Marta, “eu creio, Senhor”, ou como Maria deixemos as lágrimas lavar o nosso olhar demasiado terreno para ver o céu.

Compromisso semanal

Ao longo da semana vou meditar sobre o mistério da ressurreição e vou responder à pergunta que Jesus fez a Marta: “Acreditas nisto?”.