Mistagogia da Palavra

Deus está sempre à procura do homem. É como se Deus não quisesse permanecer sozinho e houvesse escolhido o homem para ajudá-1’O. Deus permanece fiel ao homem, busca-o em todas as suas fugas, porque o ama como só Deus pode amar, com a força e a ternura de um Pai, que é movido por um amor infinito. Hoje, como ontem, o problema do homem consiste em fugir desse Deus que o busca. É o homem que se esconde e Deus que não Se cansa de segui-lo.
A lª leitura é do Segundo Livro das Crónicas. A infidelidade à aliança com Deus leva o povo de Israel à infelicidade: Jerusalém e o Templo são arrasados e o povo levado para o cativeiro de Babilónia. Tudo fruto de não seguir o caminho de Deus. Mas é ainda Deus que o liberta do cativeiro. Nunca será o mal a ter a última palavra, mas o amor de Deus.
A 2ª leitura é de S. Paulo aos Efésios. O homem não é capaz de sair da situação de pecado, de se salvar por si. Mas Deus, rico de amor e de misericórdia, intervém para o libertar. Fá-lo ressuscitar com Cristo para uma vida nova. Esta salvação não é concedida ao homem pelos seus méritos, é totalmente gratuita. Mas não se excluem as boas obras, pois, ainda que não salvem por si sós, são o fruto necessário e o sinal fidedigno dessa salvação de Deus. Não nos basta uma fé teórica e inactiva, tão ineficaz como um vago sentimento religioso. As boas obras são a nossa resposta ao carinho de Deus e a nossa opção pela luz e verdade que é Cristo.
A partir deste IV Domingo, as leituras do Evangelho são tiradas de S. João. O trecho de hoje segue o colóquio de Jesus com Nicodemos e apresenta-nos o objecto da fé cristã que dá a vida: a paixão de Cristo simbolizada aqui pela serpente de bronze e o amor de Deus que, em seu Filho, quer a nossa salvação. Diante da revelação do amor de Deus os homens têm de fazer uma opção: ou aproximarem-se da luz que é Cristo ou seguirem as trevas do pecado,que leva à condenação.

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra

Vem, Espírito Santo, prepara os olhos do meu interior para me deixar iluminar pela luz que a tua Palavra derrama em mim! 

Evangelho    Jo 3, 14-21
Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: «Assim como Moisés elevou a serpente no deserto, também o Filho do homem será elevado, para que todo aquele que acredita tenha n’Ele a vida eterna. Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem acredita n’Ele não é condenado, mas quem não acredita já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho Unigénito de Deus. E a causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque eram más as suas obras. Todo aquele que pratica más acções odeia a luz e não se aproxima dela, para que as suas obras não sejam denunciadas. Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus.

Caros amigos e amigas, a mensagem do Evangelho é potente: narra um Deus loucamente apaixonado, um Pai que dá o seu tesouro mais precioso, o Filho, para que passemos das trevas do pecado para a luz do seu amor.

Interpelações da Palavra

«Deus amou tanto o mundo»
Admiráveis e luminosas palavras estas, que resumem todo o Evangelho: Deus ama!
«Deus é amor» e o amor pode apenas amar! No entanto, parece que para Deus não basta o amor, mas só lhe serve o «tanto» de amor! Só um amor assim tão grande, gigante, tão divino, renova a vida. E Deus não se cansa de amar: quanto mais ama mais se apaixona, se compromete, se envolve, se dá, num amor infinito, único, inimaginável.
Nós não somos cristãos porque acreditamos em Deus, mas somos cristãos porque acreditamos que Deus nos ama (Ronchi). E Ele ama-nos como ama a Cristo, com a mesma paixão, a mesma confiança, a mesma alegria, ainda que com as nossas desilusões e dúvidas.

Deus não enviou o Filho para condenar mas para salvar
Nós bem preferíamos um Deus castigador, feito juiz de tribunal, sedento de vingança. Contudo, Deus não vem roubar a alegria, semear escuridão, despojar a esperança. Talvez nos seja mais fácil condenar, afastar, criticar, apontar com o dedo. Mas Deus ama o mundo: Ele olha para mim e para ti e vê a paixão do seu amor. Em Jesus, quantas lágrimas derramadas, quantas noites passadas em sonhos de amor, quanta dedicação para com a humanidade! Deus deu a vida por mim e por ti! Este é o valor da nossa vida: Deus ama até morrer de amor! Valemos a vida de Deus! Na dádiva do seu tesouro mais precioso, o seu Filho, lança na terra a semente de salvação e amor para todos.
O amor não julga, não mete medo nem condena. Perante o amor somos indefesos. Custa-nos aceitar um Deus que nada pede mas que tudo dá, que não exige mas ama, que não condena mas salva.

A luz veio ao mundo
Teria sido ao fim do dia, já o luar iluminava a sombra da noite, que Nicodemos, às escondidas, temeroso de publicamente manifestar a sua simpatia, viera ao encontro do Mestre de Nazaré. Nos medos e incertezas de Nicodemos reconhecemos a nossa vida, por vezes curiosa do Evangelho e tantas vezes assustada com o encontro, incapaz de abraçar a luz, bloqueada em percorrer o caminho das estrelas. No entanto, a fé é acreditar que não há nenhuma noite tão escura que não possa ser iluminada pelo amor; é levantar os olhos para a cruz e deixar-se atrair pelo excesso de amor. Acreditar é “dar à luz”, é nascer de novo, agora para o sol, para a beleza incomensurável do amor crucificado. Ali, é elevado o Evangelho!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, as trevas do ambiente que me rodeia, ameaçam esbater os anseios da minha generosidade
e a ponderação da minha consciência. A superficialidade na vivência da fé vai minando
a minha boa vontade e o contexto que me envolve desdenha do meu compromisso!
Senhor, que a lâmpada da tua Palavra nunca deixe de iluminar os meus passos
e seja uma vigia a alimentar a coerência entre a minha condição de batizado
e as opções que necessito de tomar no meu dia a dia!

Viver a Palavra 

Vou olhar a cruz de Jesus e deixar que o amor de Deus fecunde a minha própria cruz.