Mistagogia da Palavra

A obra da nossa reconciliação, que partiu da iniciativa de Deus, realizou-se em Cristo, que, identificando-Se com o pecado, assumindo todas as suas consequências, destruiu o mesmo pecado, tornando-nos “nova criatura”. A Páscoa, que vamos celebrar, é o memorial duma libertação maior do que a dos Hebreus. Preparemo-nos pelo sacramento pascal da Penitência, o sacramento da reconciliação com Deus.
A 1ª leitura, do Livro de Josué, diz-nos que o Povo de Deus, ao entrar na sua nova terra, após a libertação do Egipto e os 40 anos de duro peregrinar pelo deserto, o primeiro acto que realizou foi celebrar a Páscoa. Com este rito, o Povo de Deus recordava a primeira Páscoa no Egipto, manifestava ao Senhor o seu reconhecimento por todas as maravilhas operadas em seu favor: fazia uma promessa de fidelidade, ao iniciar-se uma fase muito importante na História da Salvação.
A 2ª leitura é de S. Paulo aos Coríntios, II epístola. Jesus Cristo, nosso Reconciliador, quis que a reconciliação se tornasse pessoal pelo ministério dos Apóstolos. Por isso os Apóstolos, e todos os que participam do seu ministério e testemunho, como embaixadores plenipotenciários de Deus, actualizam a obra da salvação. Por eles está presente no meio dos fiéis o Senhor Jesus Cristo.
A 3ª leitura, de S. Lucas, é a parábola do filho pródigo, que melhor se diria do Pai misericordioso. Ela constitui como que a ilustração luminosa da definição de Deus, que nos deixou S. João: Deus é Amor. Mas também é a história de cada ser humano, pois nela todos nós estamos retratados, ou no filho mais novo que, após uma experiência dolorosa, se sente pecador, ou no filho mais velho, também pecador sem o saber.

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra
Vinde Espírito Santo, ilumina a festa de cada reencontro e embala a alegre dança da misericórdia.


Evangelho    Lc 15, 1-3.11-32
Naquele tempo, os publicanos e os pecadores aproximavam-se todos de Jesus, para O ouvirem. Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo: «Este homem acolhe os pecadores e come com eles». Jesus disse-lhes então a seguinte parábola: «Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me toca’. O pai repartiu os bens pelos filhos. Alguns dias depois, o filho mais novo, juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante e por lá esbanjou quanto possuía, numa vida dissoluta. Tendo gasto tudo, houve uma grande fome naquela região e ele começou a passar privações. Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra, que o mandou para os seus campos guardar porcos. Bem desejava ele matar a fome com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. Então, caindo em si, disse: ‘Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho, mas trata-me como um dos teus trabalhadores’. Pôs-se a caminho e foi ter com o pai. Ainda ele estava longe, quando o pai o viu: encheu-se de compaixão e correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos. Disse-lhe o filho: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho’. Mas o pai disse aos servos: ‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o vitelo gordo e matai-o. Comamos e festejemos, porque este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado’. E começou a festa. Ora o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças. Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo. O servo respondeu-lhe: ‘O teu irmão voltou e teu pai mandou matar o vitelo gordo, porque ele chegou são e salvo’. Ele ficou ressentido e não queria entrar. Então o pai veio cá fora instar com ele. Mas ele respondeu ao pai: ‘Há tantos anos que eu te sirvo, sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos. E agora, quando chegou esse teu filho, que consumiu os teus bens com mulheres de má vida, mataste-lhe o vitelo gordo’. Disse-lhe o pai: ‘Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu. Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado’».


Caros amigos e amigas, o Evangelho de hoje traz-nos de regresso a casa. São tantas as viagens de desobediência, de revolta, de insatisfação, mas mais é a certeza de um abraço que nos espera sempre.

Interpelações da Palavra

Por falar em “murmuração”
A parábola do “Pai Amoroso” surge, em Lucas, como resposta e proposta às murmurações dos fariseus e dos escribas contra o acolhimento desmedido de Jesus. Este Deus Pai-Mãe que ama sem condições e fronteiras, para além do tempo e dos espaços, e mais que qualquer medida humana, vem desvendar o processo aberto do coração do homem pecador e murmurante. Não faltam espaços de murmuração em nossas vidas. Baixinho, dizemos o que bem alto levantamos e acabamos por corromper o nosso espaço, e o dos outros, com pragas de maldizeres. Este insecto venenoso, como nos alerta o Papa Francisco, é realmente uma bomba que lançamos para deixar que expluda depois da nossa retirada. Mas, a este clima de murmuração que tanto semeamos, Jesus responde com a “cultura do encontro” que se expressa de forma tão eloquente no abraço. Contra as guerrilhas murmurativas, lancemos sementes alegres e sinceras de encontro!

O abraço que antecipa o regresso
Deus é perito em “primeirear”. Toma a iniciativa, lança-se ao nosso pescoço e cobre-nos de beijos, mal vê uma porta aberta de arrependimento e aproximação. No dom da liberdade, Deus oferece-se “esbanjadamente”, mesmo correndo o risco que O neguemos e desperdicemos tanto que nos dá… Haja verdadeiros ou falsos arrependimentos, Deus só sabe correr até nós, só sabe procurar-nos, esperar-nos, abraçar-nos… O nosso Deus é tão bom!
Túnica, anel, sandálias, vitelo, festa, e tantas outras respostas de Deus a cada regresso. É na força do perdão que cresce o amor. Mas custa-nos tanto “primeirear”, correr a abraçar quem regressa, sem murmurar…

Fazer festa! Anda daí! Entra!
Na linguagem de Deus não há lamúrias, raspanetes ou ameaças. Deus é festa e quer que participemos na festa do amor, na festa do perdão, na festa do regresso, na festa de cada abraço. Não fiquemos fora a tirar medidas aos que foram convidados para a festa de Deus. Ajustar a nossa vida aos “critérios do mundo” é mantermo-nos sorridentes diante dos que rastejam nos porcos, ou murmurar fortemente zangados pelos regressos que o Pai acolhe. Ou seja, aceitar que Cristo não ressuscitou, que a morte tem a última Palavra e a manhã de Páscoa nunca rolará a pedra do túmulo… A nossa tarefa, queridos amigos, é aplicar sim os critérios de Deus! Não busquemos argumentos para as nossas guerrilhas mas acolhamos os motivos de Deus para os nossos abraços! O antigo passou, agora o novo começa! Entremos, hoje mesmo, para a festa de Deus!

Rezar a Palavra

Ó Senhor, é tão bom sentir o Teu abraço, respirar a Tua presença, 
deitar-me no Teu colo que me acalenta em cada regresso. 
Louvo-te porque me dás sede deste encontro. Louvo-te porque me revestes de graça. 
Louvo-te porque me me alimentas no banquete da alegria. 
Ó Senhor, Pai Bom, é tão bom sentir o Teu abraço!

Viver a Palavra

Hoje vou distribuir abraços, porque me sinto imensamente abraçada 
pela misericórdia de Deus.