Que o amor me salve
A leitura da vida, pode fazer-se sob a luz intensa dos holofotes e pode também ser feita à luz tranquila da Palavra de Deus, à luz do amor, porque Deus é Amor. Abrigar-se no amor, significa deixar-se transformar por ele e, no limite, o Amor salva. A ausência do amor permite que a dúvida se instale e ofereça apenas uma saída: “repudiar”. Mas há sempre outra saída.
À luz da Palavra de Deus, a vida oferece sinais: “O próprio Senhor vos dará um sinal”. Não serão sinais grandiosos nem coisas estranhas à vida quotidiana. Pode ser simplesmente uma gravidez, uma criança por nascer, um pai adotivo, uma paternidade responsável, o sonho de ser feliz.
LEITURA Is 7, 10-14
Naqueles dias, o Senhor mandou ao rei Acaz a seguinte mensagem: «Pede um sinal ao Senhor teu Deus, quer nas profundezas do abismo, quer lá em cima nas alturas». Acaz respondeu: «Não pedirei, não porei o Senhor à prova». Então Isaías disse: «Escutai, casa de David: Não vos basta que andeis a molestar os homens, para quererdes também molestar o meu Deus? Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: a virgem conceberá e dará à luz um filho, e o seu nome será Emanuel».
Isaías, uma vez mais, vem acompanhar o nosso caminho para o Natal. Conta ele, que o próprio Deus desafia o rei Acaz, na sua descrença, a pedir um sinal. O rei, hipócrita e imbuído de uma falsa religiosidade, não quer pedir um sinal e diz que não quer pôr Deus à prova. Perante tanta falta de fé, é o próprio Deus que lhe afirma o sinal: “a virgem conceberá e dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel”.
Salmo responsorial 23 (24), 1-2.3-4ab.5-6 (R. 7c e 10b)
Inspirado na subida ao templo, durante uma festa litúrgica, o salmo mostra a terra como lugar onde se vive simplesmente e o templo como opção para quem quer subir à montanha. Deus, é o Senhor de toda a terra e dos que nela habitam. Todos habitam a terra, mas “quem poderá entrar no santuário?” No santuário só habitam os que sobem, é uma decisão e um caminho que só fazem “os que procuram o Senhor”.
LEITURA II Rm 1, 1-7
Paulo, servo de Jesus Cristo, apóstolo por chamamento divino, escolhido para o Evangelho que Deus tinha de antemão prometido pelos profetas nas Sagradas Escrituras, acerca de seu Filho, nascido, segundo a carne, da descendência de David, mas, segundo o Espírito que santifica, constituído Filho de Deus em todo o seu poder pela sua ressurreição de entre os mortos: Ele é Jesus Cristo, Nosso Senhor. Por Ele recebemos a graça e a missão de apóstolo, a fim de levarmos todos os gentios a obedecerem à fé, para honra do seu nome, dos quais fazeis parte também vós, chamados por Jesus Cristo. A todos os que habitam em Roma, amados por Deus e chamados a serem santos, a graça e a paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.
Paulo apresenta Jesus e apresenta-se a ele. Paulo é o servo a quem foi dado o título de apóstolo, por uma graça, que lhe conferiu a missão de fazer chegar o evangelho aos gentios. Jesus é o prometido por Deus no Antigo Testamento, através dos profetas, “nascido na carne” mas filho de Deus “segundo o Espírito”.
EVANGELHO Mt 1, 18-24
O nascimento de Jesus deu-se do seguinte modo: Maria, sua Mãe, noiva de José, antes de terem vivido em comum, encontrara-se grávida por virtude do Espírito Santo. Mas José, seu esposo, que era justo e não queria difamá-la, resolveu repudiá-la em segredo. Tinha ele assim pensado, quando lhe apareceu num sonho o Anjo do Senhor, que lhe disse: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo. Ela dará à luz um Filho, e tu pôr-Lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados». Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor anunciara por meio do Profeta, que diz: «A Virgem conceberá e dará à luz um Filho, que será chamado ‘Emanuel’, que quer dizer ‘Deus connosco’». Quando despertou do sono, José fez como o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu sua esposa.
O sonho de José transforma-se em pesadelo ao dar-se conta de que a sua noiva está grávida sem a participação dele. A descoberta transforma a vida de José numa luta interior, entre o amor e a condenação. O peso da lei e da tradição não lhe permitem ir além do “repúdio em segredo”. O amor, porém, mostra-lhe outro caminho que não só não condena Maria, como o transforma a ele em verdadeiro pai.
Reflexão da Palavra
O salmo 23 convida a reconhecer que Deus é o Rei da glória, para fazer sentido o esforço que implica procurar o Senhor e subir ao templo para aí habitar com ele. O rei Acaz não quer subir, pelo contrário, prefere manter-se na descrença sobre o poder de Deus, que aos seus olhos se mostra incapaz para salvar o seu povo, e procura fazer alianças com outros reis sem saber os perigos em que se mete. Nem os homens nem Deus suportam esta atitude do rei. Por isso, Deus vai mostrar-lhe que ele ainda é o Senhor de Israel, cumprindo a promessa feita a David: “o próprio Senhor vos dará um sinal: a virgem conceberá e dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel”.
O sinal de Deus é Jesus, nascido de Maria “segundo a carne”, nas circunstâncias que o evangelho de Mateus nos apresenta: “o nascimento de Jesus deu-se do seguinte modo”. Mateus começa por narrar os factos que antecedem o nascimento, envoltos em mistério, em desconfiança, com sinais de traição.
Maria, noiva de José, encontra-se grávida sem que os dois tivessem estado juntos. A gravidade dos factos aponta para a denúncia da traição e a condenação da traidora. José remexe dentro dele na busca de uma resposta que não encontra, perante a vidência da gravidez. Ele ama Maria, mas a traição apresenta-se maior do que qualquer amor. Como foi possível? A “minha” noiva… Tocaram na minha propriedade. O problema da posse…
José entra no caminho da mágoa, da honra ofendida, da ferida que sangra. Apesar de tudo, o amor não lhe permite denunciar e condenar, e decide “repudia-la em segredo”. Repudiá-la é afastá-la para longe dos olhos. José era um homem “justo”.
Deus, porém, quer José em outro caminho, o caminho do amor que salva. O sonho de ser feliz não termina aqui para aquele que se deixa salvar pelo amor. José ainda vive o sonho do amor e, no sonho, deixa Deus gerar nele a paternidade e assume Jesus (Deus salva) como filho.
Paulo vê na sua vida sinais evidentes de um amor que o salva, transformando-o em apóstolo do evangelho de Jesus, Deus e homem verdadeiro. E este Jesus que ele anuncia, concede a todos a graça de serem salvos no amor.
Meditação da Palavra
Há uma história que envolve um homem e uma mulher, em tudo natural, em tudo extraordinária porque se trata de uma história de amor. Ela chama-se Maria e ele José e estão noivos. Ela aparece grávida. Tudo normal. Na gravidez de uma mulher, solteira ou não, tudo é humanamente natural e tudo é humanamente extraordinário. O natural é a gravidez e o extraordinário é uma criança que nasce.
O ser natural não tem porque ser banal, sobretudo quando é manifestação de amor, e uma gravidez é sempre a revelação da intimidade do amor.
Achando-se grávida, Maria encontra-se cheia de graça. Encontrando-a grávida, sem ter contribuído em nada para isso, José, homem justo, encontra-se em desgraça. Desconcertado na sua masculinidade, entra em conflito interior. Há uma lei que deve cumprir-se, mas que o amor não permite. Denunciar Maria é condena-la à morte.
Esta história repete-se infinitamente. Confunde-se mesmo com a história da humanidade. São muitas as situações onde um homem e uma mulher se descobrem a si mesmos no limite do razoável, no limite da compaixão, no limite do amor. Para tudo parece haver um limite. Mas o amor não tem limite. Onde está o amor está a capacidade de ler os sinais poderosos da vida e esses não põem limite, abrem caminhos. Onde está uma grávida não está uma traição, um pecado, um erro, um traidor, mas uma vida. Onde está o amor não está a desconfiança, nem a mágoa, nem o medo da desonra, nem o desespero, menos ainda a violenta condenação.
Onde está o amor está a capacidade de ver o dom misterioso que é colocado diante de nós a dizer: “se não cuidares de mim eu morro”.
Diante da vida que cresce no seio de Maria, José, pelo amor, vai gerando dentro de si a paternidade. Percebe que a sua paternidade não pode ser como as demais, a paternidade biológica tantas vezes sem o coração necessário para deixar acontecer a liberdade do mistério, a liberdade de Deus.
O amor não deixa que a luta interior destrua o sonho de ser feliz com Maria. O amor permite o Amor, esse sonho divino que deseja o homem vivo e feliz. O amor permite o amor acontecer no menino a quem José chama filho, porque foi gerado nas entranhas da fé. O amor salvou José e José salvou Maria.
Agora, Maria é mãe e José é pai. Venceu a vida, venceu o amor.
“Não tenhas medo” de assumir uma história que não compreendes. “Não tenhas medo” que te assaltem sentimentos contraditórios. “Não tenhas medo” de quebrar tradições que matam. “Não tenhas medo” do que os outros possam dizer. “Não tenhas medo” da noite porque ela se tornará dia. “Não tenhas medo” de amar porque o amor te salva.
Oração
Senhor, por detrás dos escândalos sociais, estão pessoas que precisam de viver. Nos dramas da vida, há homens e mulheres que desejam ser felizes. Na maledicência, contam-se histórias de amores incompletos. Nos equívocos humanos, condenam-se muitos inocentes. Tu vens com rosto humano, nascido de uma mãe solteira, cresces numa família imperfeita, perturbas com a tua chegada a ordem estabelecida e manifestas a força do amor que salva. Salva-me, Senhor, no teu amor.
Desafio para a semana
Quero romper com as ideias que impedem os outros de viver e com a indiferença que permite a morte dos inocentes.