Há uma voz e uma porta
Há um pastor que não descansa nem de dia nem de noite e uma ovelha que corre o perigo constante de se perder. Uma voz, um cajado, uma presença constante, transformam o caminho mais difícil numa aventura confiante.
Uma porta abre-se para que um peregrino possa descansar, comer, beber e cuidar das feridas. Ameaçado pelos inimigos, o homem fugitivo também pode entrar e encontrar refúgio, comida, bebida e recuperar as forças.
Para todos, o dono da tenda tem dois protetores, a bondade e a graça. À vista deles, os inimigos da alma ou do corpo nada podem e desistem da ameaça que prepararam.
LEITURA I At 2, 14a.36-41
No dia de Pentecostes, Pedro, de pé, com os onze Apóstolos, ergueu a voz e falou ao povo: «Saiba com absoluta certeza toda a casa de Israel que Deus fez Senhor e Messias esse Jesus que vós crucificastes». Ouvindo isto, sentiram todos o coração trespassado e perguntaram a Pedro e aos outros Apóstolos: «Que havemos de fazer, irmãos?». Pedro respondeu-lhes: «Convertei-vos e peça cada um de vós o Baptismo em nome de Jesus Cristo, para vos serem perdoados os pecados. Recebereis então o dom do Espírito Santo, porque a promessa desse dom é para vós, para os vossos filhos e para quantos, de longe, ouvirem o apelo do Senhor nosso Deus». E com muitas outras palavras os persuadia e exortava, dizendo: «Salvai-vos desta geração perversa». Os que aceitaram as palavras de Pedro receberam o Baptismo e naquele dia juntaram-se aos discípulos cerca de três mil pessoas.
As palavras de Pedro inquietam e questionam os ouvintes, que perguntam: “Que havemos de fazer, irmãos?”. A conversão, o Batismo e o Espírito Santo, são o dom de Deus para entrar no caminho novo dos irmãos em Cristo.
Salmo 22 (23), 1-3a.3b-4.5.6
O salmista vê-se a si próprio como uma ovelha que é conduzida pelo Senhor, seu pastor. No caminho o pastor vai dando indicações com a voz e com o cajado, para que não se perca. Caminha de dia e de noite, mas tem sempre junto de si a presença reconfortante do pastor que acompanha os seus passos. O próprio Senhor o acolhe na sua tenda e, à vista dos inimigos, lhe concede hospitalidade e proteção para toda a vida.
LEITURA II 1Pd 2, 20b-25
Caríssimos: Se vós, fazendo o bem, suportais o sofrimento com paciência, isto é uma graça aos olhos de Deus. Para isto é que fostes chamados, porque Cristo sofreu também por vós, deixando-vos o exemplo, para que sigais os seus passos. Ele não cometeu pecado algum e na sua boca não se encontrou mentira. Insultado, não pagava com injúrias; maltratado, não respondia com ameaças; mas entregava-Se Àquele que julga com justiça. Ele suportou os nossos pecados no seu Corpo, sobre o madeiro da cruz, a fim de que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça: pelas suas chagas fomos curados. Vós éreis como ovelhas desgarradas, mas agora voltastes para o pastor e guarda das vossas almas.
Pedro apresenta o exemplo de Cristo que, apesar de inocente, suportou toda a espécie de sofrimento por causa dos nossos pecados, sem reclamar. Entregando-se nas mãos daquele que julga com justiça, tornou-se modelo dos cristãos, para que respondam com disponibilidade ainda que tenham que suportar as injustiças.
EVANGELHO Jo 10, 1-10
Naquele tempo, disse Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que não entra no aprisco das ovelhas pela porta, mas entra por outro lado, é ladrão e salteador. Mas aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas. O porteiro abre-lhe a porta e as ovelhas conhecem a sua voz. Ele chama cada uma delas pelo seu nome e leva-as para fora. Depois de ter feito sair todas as que lhe pertencem, caminha à sua frente e as ovelhas seguem-no, porque conhecem a sua voz. Se for um estranho, não o seguem, mas fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos». Jesus apresentou-lhes esta comparação, mas eles não compreenderam o que queria dizer. Jesus continuou: «Em verdade, em verdade vos digo: Eu sou a porta das ovelhas. Aqueles que vieram antes de Mim são ladrões e salteadores, mas as ovelhas não os escutaram. Eu sou a porta. Quem entrar por Mim será salvo: é como a ovelha que entra e sai do aprisco e encontra pastagem. O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir. Eu vim para que as minhas ovelhas tenham vida e a tenham em abundância».
Jesus apresenta-se diante dos fariseus como o pastor que conhece as ovelhas pelo nome e é conhecido pela voz. Ele é o pastor que vem proteger e cuidar das ovelhas. Ele é a porta que protege e deixa passar para as pastagens verdejantes. Jesus não é como os fariseus que se aproveitam das ovelhas. Roubam, matam e destroem. Jesus vem salvar.
Reflexão da Palavra
A primeira leitura continua o discurso de Pedro na manhã do dia de Pentecostes. As palavras do Apóstolo provocam emoção nos ouvintes e, estes, sentem a necessidade de responder com uma atitude, mas não sabem o que fazer e, por isso, perguntam: “Que havemos de fazer, irmãos?”.
A esta pergunta Pedro responde com três atitudes necessárias, que são: converter-se, receber o Batismo e receber o Espírito Santo. Pedro remata estas indicação com a universalidade da proposta, afirmando que o dom de Deus é “para vós”, “para os vossos filhos” e “para todos os que ouvirem”. O Batismo aparece aqui como o meio para se poderem “salvar desta geração perversa”
As palavras de Pedro foram bem recebidas, como atesta o resultado final, eles acolheram, receberam o batismo e “naquele dia juntaram-se aos discípulos cerca de três mil pessoas”.
O salmo 23, um dos mais conhecidos do saltério, aparentemente simples, é muito rico nas imagens que oferece à reflexão. A sua composição revela duas partes complementares, que poderiam ser dois salmos distintos. A dividir as duas partes encontra-se a afirmação “Porque tu estás comigo”, que pode ser a chave de leitura de todo o salmo.
Na primeira parte, o autor apresenta-se a si mesmo como uma ovelha e a sua vida como um caminho. Um caminho que atravessa desertos e vales tenebrosos. No entanto, há alguém, um pastor, que se percebe naquele “Tu”, que é o Senhor, que vai obrigando a paragens de descanso, nos prados verdejantes e nas águas refrescantes, para recuperar as forças e seguir viagem. Um pastor que está sempre presente, noite e dia, e oferece segurança apenas com a sua presença que se faz sentir pela voz, pelo toque do cajado e pelo som do cajado ritmado pelo andar.
Na segunda parte, o salmista apresenta-se como um fugitivo que encontra asilo na tenda do Senhor, no meio do deserto, e beneficia da lei da hospitalidade. À sua espera está o dono da tenda que o acolhe, senta-o à mesa, dá-lhe de comer e de beber, unge as suas feridas com óleo e concede-lhe como proteção a sua bondade e a sua graça para toda a vida.
Observando do lado de fora, os inimigos, desistem de o perseguir porque nada podem contra tamanha proteção.
Pedro continua a acompanhar, com as suas palavras, o nosso caminho pascal. Recorda, no texto que serve de segunda leitura, o exemplo de Cristo que, sendo inocente, aceitou voluntariamente o sofrimento, por causa dos nossos pecados. Nele, “nas suas chagas fomos curados”, porque ele, “suportou os nossos pecados no seu corpo… a fim de que, vivamos para a justiça”. Desta forma se tornou “o pastor das nossas almas”. Do mesmo modo, entende Pedro, devem fazer os cristãos nas mais diversas situações, sobretudo quando sofrem injustiças.
O texto do evangelho de João 10, 1-10, vem na sequência da cura do cego de nascença. No final desta cura, há um pequeno diálogo entre Jesus e os fariseus e, na sequência, surge este texto no qual Jesus faz uma comparação entre o pastor e o ladrão salteador, comparação que, diz o evangelista, os fariseus não compreenderam: “Jesus apresentou-lhes esta comparação, mas eles não compreenderam o que queria dizer”, mas que nós devemos compreender.
A comparação estabelece algumas diferenças entre aquele que entra pela porta e o salteador. O que os distingue é a voz. A voz tem uma personalidade e estabelece uma relação. Pela voz se conhece e se é conhecido, pela voz se pronuncia o nome e com a voz se indica o caminho a seguir.
Não é a primeira vez que o evangelista fala da “voz”. No início do evangelho apresenta João Batista como “eu sou a voz de quem fala no deserto” (1,23), No diálogo com Nicodemos fala da voz do vento “o vento sopra onde quer e tu ouves a sua voz” e da voz do Espírito que é como o vento (3,8). Depois fala da voz do esposo “o amigo… sente muita alegria com a voz do esposo” (3,29) e da voz do filho de Deus “os mortos hão de ouvir a voz do Filho de Deus” (5,25) e “os que estão nos túmulos hão de ouvir a sua voz” (5,28) e a voz de Deus “nunca ouvistes a sua voz” (5,37).
Na comparação apresentada, Jesus pretende dizer que há a “voz”, a dele, a do Filho de Deus, a voz de Deus e há outras “vozes”, as dos fariseus. Eles falam, mas as ovelhas fogem deles porque não reconhecem neles a voz do pastor. Foi o que aconteceu com o cego de nascença a quem eles chamaram, mas que não ouviu a sua voz, ouviu apenas a voz de Jesus que lhe tinha dado a vista.
Na segunda parte do texto, Jo 10, 7-10, Jesus apresenta-se como “Eu sou”. Desta forma Jesus quer deixar claro que a comparação anterior é entre ele e os fariseus. Eles são os salteadores e Jesus é o Pastor que conhece as ovelhas. A dissertação é longa, mas aqui temos apenas três versículos.
No primeiro “eu sou”, Jesus afirma-se como a porta e todos os que não são ele, são ladrões. Ele vem para proteger e os outros vêm à procura dos seus interesses à custa das ovelhas.
No segundo “eu sou” apresenta-se como a porta que dá acesso à salvação, porque, por ele entram as ovelhas para as pastagens, para encontrar a vida. Jesus é a vida e veio para que tenham a vida em abundância. Os ladrões vêm para roubar, destruir e matar.
Meditação da Palavra
Jesus apresenta-se como o “Eu sou”. Ao longo do evangelho de João, Jesus vai dizendo “eu sou a porta”, “eu sou o bom pastor”, “eu sou o pão da vida”, “eu sou o caminho a verdade e a vida”, “eu sou a luz do mundo”, “eu sou a água viva”, “eu sou a videira”, “eu sou a ressurreição e a vida”.
O evangelho deste domingo, conhecido como o domingo do Bom Pastor, apresenta Jesus como a voz, o pastor que faz ouvir a sua voz, o pastor conhecido pela voz e como a porta que protege as ovelhas e a porta pela qual elas entram para encontrar os prados da salvação.
As afirmações de Jesus, num diálogo claro com os fariseus, que os deixa sem entender onde quer chegar com aquelas palavras, revelam uma atitude missionária de Jesus. Ele não veio como os fariseus, veio ao encontro das ovelhas. Faz ouvir a sua voz, ouve e conhece a voz das ovelhas e conhece cada uma pelo seu nome, como Deus conhece Moisés (Ex 33,12), como o Senhor conhece Israel (Is 43,1).
Jesus vem para cuidar e salvar, enquanto os fariseus, que não são pastores, vêm para roubar, matar e destruir. As ovelhas não conhecem a sua voz e não os seguem. Conhecem a voz de Jesus e seguem-no. Confiam nele porque não vem satisfazer os seus interesses mas os interesses das ovelhas.
Jesus deixa claro que há uma voz que cuida e uma porta que protege e conduz à salvação. Mas há também outras vozes que podem enganar as ovelhas e outras portas que levam à perdição. Um pequeno descuido e tudo fica perdido.
É importante escutar a voz do pastor e distingui-la de entre as muitas vozes que querem impor-se. O salmo 23 recorda que o pastor é incansável nos sinais de alerta para que, mesmo na noite, as ovelhas não se tresmalhem seguindo por outros caminhos que conduzem à morte e não à vida.
Pedro na manhã de Pentecostes indica um caminho, no qual Jesus continua a cuidar das suas ovelhas, é o caminho da palavra, da conversão, do Batismo e do Espírito. Diante da multidão que deseja fazer parte dos irmãos e perguntam: “Que havemos de fazer, irmãos?” Pedro não hesita e propõe: “Convertei-vos e peça cada um de vós o Baptismo em nome de Jesus Cristo, para vos serem perdoados os pecados. Recebereis então o dom do Espírito Santo”.
Esta proposta é para todos, os que estão perto e os que estão longe. Para todos os que ouvirem a voz de Deus. Os que escutaram Pedro naquela manhã juntaram-se aos irmãos, em número de três mil, o que revela o poder da palavra e a sedução da voz.
O caminho, porém, não é sempre verdejante, afirma-o o salmo. Nem sempre há prados verdejantes e águas refrescantes. O caminho é também deserto, poeirento, sob o sol escaldante que fere a vista e traz o desalento. O caminho, por vezes, é como o do fugitivo, do refugiado que foge dos inimigos em busca da tenda da hospitalidade.
Pedro recorda isso, na sua primeira carta, incentivando os que foram curados nas chagas de Jesus, a suportar com paciência os sofrimentos, as injustiças, seguindo o exemplo de Cristo. A exemplo de Cristo, que lutou contra as injustiças, mas sofreu com paciência, sem reclamar, também os crentes devem lutar contra as injustiças e suportar os sofrimentos com paciência. Sem, contudo, deixar de seguir, como a ovelha ao pastor, os passos de Cristo.
Desta forma, como Cristo, a quem “Deus fez Senhor e Messias”, também os crentes habitarão “na casa do Senhor para todo o sempre”.
Rezar a Palavra
Guarda-me na tua tenda, Senhor, e protege-me com a tua bondade e a tua graça. Que o caminho escarpado da vida não feche os meus ouvidos à tua voz nem me torne insensível ao cajado que me orienta no seguimento dos teus passos. Que a noite não me surpreenda longe de ti nem os inimigos me alcancem longe da tua casa. Tu és a minha porta de salvação e em ti encontro o protetor da minha vida.
Compromisso semanal
Sem medo, procuro na fé em Cristo o descanso para a minha alma e a alegria da minha salvação.