Domingo do Bom Pastor

O mundo em que vivemos é caracterizado pela existência de muitas vozes, de muitas opiniões e interpretações sobre a mesma realidade, na televisão, nos jornais, na internet. Todas estas vozes procuram influenciar, criar grupos de seguidores, estabelecer correntes de opinião e indicar líderes.
Neste conjunto todo e no ruído que se cria surge também a voz de Jesus, o bom pastor e guia. Que importância damos a esta voz que diz que é caminho, verdade e vida? Quem se dispõe a seguir o pastor que conhece as ovelhas e dá a vida por elas?
É provável que a imagem do pastor com o seu rebanho tenha perdido muito da expressividade de que gozava na antiguidade e ao tempo de Jesus. Pode pensar-se até que o facto de sermos comparados a ovelhas nos desprestigia: a ovelha é um animal demasiado dócil e dependente, sem autonomia, sempre exposto ao que os outros queiram fazer dela. Parece contrastar com a tendência para a autonomia e a afirmação pessoal que é característica das sociedades actuais. Mas, no tempo de Jesus, quer a imagem do pastor quer a das ovelhas era perfeitamente adequada para ilustrar a relação dos diferentes membros de um grupo com a sua liderança. Reis e sacerdotes recebiam o título de pastores e todos conviviam bem com esta imagem… A partir da Sagrada Escritura temos de admitir que a imagem continua a ser sugestiva e, sobretudo, a do Bom Pastor que é o que nós celebramos hoje, no dia mundial de oração pelas vocações.

1. As ovelhas e o Pastor

– O Evangelho deste ano litúrgico é muito breve mas contém os elementos fundamentais para compreender o alcance da imagem do pastor e do rebanho: “Eu dou-lhes a vida eterna”… Aonde é que nos leva o Bom Pastor? À vida eterna.
– A sequência ou os passos que o Evangelho apresenta são muito claros:
Primeiro: as ovelhas escutam a voz de Jesus.
Segundo: Jesus conhece-as e as ovelhas seguem o pastor.
Terceiro: o pastor dá-lhes a vida eterna e as ovelhas ficam sempre com Ele e com o Pai.
– Escutar: é mais do que ouvir simplesmente. É um processo psicológico que exige atenção, interesse, tomada de consciência das razões que são apresentadas… Note-se que, na primeira leitura, todos ouvem mas, quem não escuta são os judeus e as senhoras piedosas, os que julgavam que já sabiam tudo sobre Deus…
– Conhecer e seguir: não basta ficar a contemplar o que se ouve e a dizer que se concorda e que é muito interessante. O conhecimento é recíproco: Jesus conhece e as ovelhas conhecem Jesus porque se estabelece uma relação mútua entre o pastor e as ovelhas. Quem toma a iniciativa e vai adiante é Jesus. As ovelhas seguem pelo mesmo caminho de Jesus quando conformam o seu pensar, o seu sentir, o seu querer, o seu estilo de vida e a forma de atuar com as palavras e com a vida de Jesus.
– Dar a vida eterna: a oferta de salvação é para todos, embora, como aparece também na primeira leitura, alguns recusem a proposta… Mas vê-se também nas palavras de Paulo dirigidas aos judeus que há que fazer escolhas: “era a vós, primeiro…” Quer dizer que tudo depende da aceitação ou não da proposta… Sobre a vida eterna fala o livro do Apocalipse (2ª leitura): “Nunca mais terão fome nem sede, nem o sol ou o vento ardente cairão sobre eles… Deus enxugará as lágrimas dos seus olhos”… Quando se escuta o Bom Pastor e se segue nunca mais se quebra a relação…

2. Nas dificuldades é o bom Pastor que conduz
– Escutámos no livro dos Atos dos Apóstolos como a oposição e a perseguição aos anunciadores do Evangelho começou bem cedo e esta situação tem acompanhado a Igreja ao longo dos séculos…
– Hoje, a perseguição aos cristãos tem muitas caras, e a situação das comunidades cristãs não é fácil… Verifica-se o abandono da prática religiosa… E não são só as gerações mais novas… Tanta gente pergunta: para que é que vou lá? Para ser pior do que os outros (quem diz isto considera-se sempre bom!…)
– O indiferentismo, hoje, ganha tais proporções que a afirmação mais comum é dizer que é “agnóstico” (já nem se tem a frontalidade de dizer que é “ateu”… É mais ‘light’ dizer que é agnóstico…)
– Mesmo dentro da Igreja, há tensões entre as diferentes sensibilidades de viver a fé: movimentos, estruturas eclesiais, orientações pastorais diferentes,…
– Neste contexto, também nós, como certamente fizeram os primeiros cristãos, poderemos perguntar: quem é que nos orienta? Em quem é que podemos confiar?… É nestes momentos que a imagem do bom pastor se enquadra melhor: nós temos um guia, alguém que cuida de nós e nos protege: é Cristo, o bom pastor…
– Também podemos perguntar: que rebanho é que nós somos? As comunidades cristãs parecem tão diferentes!… Há grupos que reivindicam a sua autonomia e procuram afirmar-se contestando a orientação dos pastores e recuperando modelos do passado!… Certamente que precisamos de nos reagrupar, de construir comunidades mais solidárias, onde as pessoas se sintam mais próximas… que constituam verdadeiras redes de amigos, prontos a colaborar e não a construir barreiras…
– Todos precisamos de rever o nosso seguimento e olhar para o único bom pastor, que é ao mesmo tempo “o Cordeiro que conduz às fontes de água viva” (2ª leitura).