Mistagogia da Palavra

Acreditar, nos tempos que correm, é comprometer-se com Deus, em consciência e nas atitudes pessoais, com os outros, com o mundo e com a vida. Acreditar é viver toda a nossa vida com espírito pascal, ou seja, como ressurreição perene e nascimento constante para a vida nova de Deus; e atrever-se, como os Apóstolos e os primeiros crentes, a realizar a conversão radical, mudando o rumo da nossa vida e dando razões da nossa esperança, apesar de todas as dúvidas, do egoísmo, da injustiça e da indiferença, da vulgaridade e da morte. Porque a conversão, tal como o acreditar é tarefa para todo o tempo, incluindo o pascal.
A 1ª leitura é dos Actos dos Apóstolos. Depois de curar o coxo que pedia esmola à porta do templo, Pedro diz à multidão que ali se juntara que o sucedido é obra da fé em Cristo e, portanto, é um sinal evidente de que Jesus está vivo. Contrapõe a obra dos homem e a obra de Deus. Os homens matam o autor da vida, Deus ressuscita e dá a vida. Por fim faz um convite à conversão. Há sempre um anúncio de perdão, é sempre possível recuperar pela força do Espírito do Ressuscitado.
A 2ª leitura é da Primeira Epístola de São João. É a boa notícia de que, embora tenhamos obrigação de, com toda a honestidade, nos reconhecermos pecadores, podemos alimentar sempre a esperança com o pensamento de que ao nosso lado está Jesus Cristo, o Justo. A fé em Deus deve manifestar-se na vida: só “aquele que observa a sua Palavra tem em si o amor de Deus verdadeiramente perfeito”.
O Evangelho é segundo São Lucas. Continua o episódio dos discípulos de Emaús que, de volta a Jerusalém, contam aos restantes discípulos o encontro com Cristo ressuscitado. Nesse momento aparece-lhes Cristo em pessoa, no meio deles. Os discípulos têm medo e custa-lhes acreditar no que os olhos vêem. Então Jesus dá provas físicas da sua identidade corpórea, se bem que glorificada. Abriu-lhes então o entendimento para entenderem as Escrituras: o Messias herdeiro do trono de David é também o servo sofredor de Javé, que dá a sua vida pelo povo e chega à glória através de uma morte vergonhosa. E tudo isto trouxe a salvação a todos os povos, salvação que exige a conversão, o perdão dos pecados e a vida nova e deve ser pregada a todas as gentes.


A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra

Vem Espírito Santo, remove do meu coração os medos e vacilações que se interpõem ao testemunho da minha fé.


Evangelho    Lc 14, 35-48

Naquele tempo, os discípulos de Emaús contaram o que tinha acontecido no caminho e como tinham reconhecido Jesus ao partir do pão. Enquanto diziam isto, Jesus apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Espantados e cheios de medo, julgavam ver um espírito. Disse-lhes Jesus: «Porque estais perturbados e porque se levantam esses pensamentos nos vossos corações? Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo; tocai-Me e vede: um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que Eu tenho». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. E como eles, na sua alegria e admiração, não queriam ainda acreditar, perguntou-lhes: «Tendes aí alguma coisa para comer?». Deram-Lhe uma posta de peixe assado, que Ele tomou e começou a comer diante deles. Depois disse-lhes: «Foram estas as palavras que vos dirigi, quando ainda estava convosco: ‘Tem de se cumprir tudo o que está escrito a meu respeito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos’». Abriu-lhes então o entendimento para compreenderem as Escrituras e disse-lhes: «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia, e que havia de ser pregado em seu nome o arrependimento e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois as testemunhas de todas estas coisas».

Caros amigos e amigas, o Ressuscitado “aparece” no meio da comunidade dos discípulos quando esta se reúne no memorial do dom da vida, quando o Pão é fracionado e quando as Escrituras são explicadas no mistério da Páscoa.


Interpelações da Palavra

«Jesus apresentou-se no meio deles»
Conforta-me a dificuldade dos apóstolos em acreditar. De facto, não é fácil acreditar na ressurreição. Todos os discípulos – de Emaús, do cenáculo, de hoje – apesar de conviver e partilhar tempo e estrada com Jesus, não O reconhecem. Esta é a garantia que a ressurreição não foi uma invenção, mas um acontecimento que a todos ultrapassou. Qualquer novo início só pode vir de fora, num modo impensável, imprevisível e incontrolável.
Além disso, Jesus não se deixa condicionar pela incredulidade e pelos medos humanos. Ele vem e oferece a paz. A paz é a primeira palavra do Ressuscitado desejando contaminar de paz os discípulos. Não os censura pela fuga, não repreende Pedro pela negação, nada diz sobre Judas, não critica Tomé… Diante dos eventos da paixão e da morte, Jesus afirma apenas a paz como resumo do dom de Deus.

Os sinais da paixão
Para que O reconhecessem Jesus mostra as feridas da paixão, já que pelo rosto não O identificaram. De facto, nas mãos, pés e lado do Ressuscitado está escrito o alfabeto divino, o da dádiva de vida. Deus é aquele que dá a vida. E, quando dá a sua vida, as marcas ficam gravadas para sempre porque os sinais do amor jamais se podem cancelar.
As chagas de Cristo são hoje as da humanidade sofrida. Sem encontrar as chagas dos que sofrem não se encontra a Cristo e a ressurreição torna-se um mito (E. Bianchi).

«Vós sois as testemunhas de todas estas coisas»
É fascinante ver que, apesar dos medos, do não reconhecer, das fragilidades, Jesus envolve os discípulos na sua ressurreição como contágio de vida! Eles são testemunhas do encontro com o Ressuscitado, trazem vivas na memória as palavras de paz e perdão, e são portadores de uma vida tocada pelo Ressuscitado.
Ser testemunha hoje é deixar-se encontrar por Jesus, deixar-se abraçar pela sua vida, a tal ponto de a fazer sua, transmitindo aos outros, não palavras ou teorias, mas a própria vida ressucitada, porque perdoada e pacificada. Testemunhar não é falar de Cristo aos outros, mas falar como Cristo, deixando transparecer na vida o Evangelho.

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, mesa e banquete da comunhão, eu te dou graças porque a tua presença alimenta.
Dou-te graças pela fé de quantos me precederam e a trazem intacta
até ao contexto onde se desenrola a minha caminhada, desde o dia do baptismo.
Envolve as minhas vacilações e tibiezas no dom da tua paz, que abre portas e atemoriza medos.
Desbasta a timidez e apura a qualidade do meu testemunho.
Faz-me página viva do teu Evangelho!

Viver a Palavra 

Vou ver como posso ser testemunha da ressurreição de Jesus, nos ambientes onde estou presente.