Mistagogia da Palavra

A síntese das leituras bíblicas deste domingo pode formula-se deste modo: o novo templo espiritual constrói-se sobre Cristo, morto e ressuscitado, e fundamento da nova aliança e a nova religião em espírito e verdade, que veio substituir a antiga aliança explanada na lei mosaica. É importante ver a passagem da purificação do templo como automanifestação do mistério da salvação de Cristo. Ele significa a importância da antiga aliança e o fim do culto que encarnava no templo de Jerusalém. Cristo dá lugar a uma aliança e culto novos em espírito e verdade. Um Messias débil e crucificado é precisamente a força e a sabedoria salvadoras de Deus para o mundo.
A 1ª leitura é do Livro do Êxodo. É a proclamação do Decálogo, ou seja, dos Mandamentos da lei de Deus. Deus de Israel revela-Se como um Pai que conhece os próprios filhos pelo nome e dialoga com eles, indicando-lhes o caminho do bem e da felicidade. Estes mandamentos, que Jesus aperfeiçoou infundindo-lhes o complemento do amor, são a base da sociedade humana. Não são leis opressivas do homem nem difíceis de praticar, mas caminho proposto por Deus, para que o homem não se deixe escravizar pelas paixões, destruindo a própria vida e a dos outros, mas se torne livre e feliz.
A 2ª leitura é da Primeira Epístola do apóstolo S. Paulo aos Coríntios. O Apóstolo apresenta-nos o ponto central da sua pregação: Cristo crucificado. A salvação é agora obtida mediante a fé no acontecimento da cruz. A cruz é poder e sabedoria de Deus, porque capaz de dar a salvação; enquanto a sabedoria humana, judaica ou grega, que não reconhece na cruz uma força salvífica, se tomou incapaz de indicar aos homens uma via de salvação. Diante deste sinal do amor de Cristo, dado por Deus aos homens, ninguém pode ficar indiferente, mas tem de tomar posição.
O Evangelho é segundo S. Marcos. Varrendo do templo os vendilhões, Jesus declara que chegara o reino do Messias e condena de maneira decidida toda a espécie de mistura, toda a espécie de confusão entre religião e interesses económicos. Jesus diz que o tipo de religião praticado no templo deixou de ter validade. O novo templo é Cristo ressuscitado, a pedra fundamental. E sobre esta pedra Deus colocou outras pedras vivas, que são os discípulos de Cristo. É deste santuário que sobem para Deus a todo o momento os perfumes dos incensos e dos sacrifícios que Lhe são agradáveis, que são as boas obras.

 

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra

Vem, Espírito Santo, sacode de diligência a minha condescendência trôpega com os poderes deste mundo!

Evangelho Jo 2, 13-25
Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. Encontrou no templo os vendedores de bois, de ovelhas e de pombas e os cambistas sentados às bancas. Fez então um chicote de cordas e expulsou-os a todos do templo, com as ovelhas e os bois; deitou por terra o dinheiro dos cambistas e derrubou-lhes as mesas; e disse aos que vendiam pombas: «Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai casa de comércio». Os discípulos recordaram-se do que estava escrito: «Devora-me o zelo pela tua casa». Então os judeus tomaram a palavra e perguntaram-Lhe: «Que sinal nos dás de que podes proceder deste modo?». Jesus respondeu-lhes: «Destruí este templo e em três dias o levantarei». Disseram os judeus: «Foram precisos quarenta e seis anos para se construir este templo e Tu vais levantá-lo em três dias?». Jesus, porém, falava do templo do seu corpo. Por isso, quando Ele ressuscitou dos mortos, os discípulos lembraram-se do que tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra de Jesus. Enquanto Jesus permaneceu em Jerusalém pela festa da Páscoa, muitos, ao verem os milagres que fazia, acreditaram no seu nome. Mas Jesus não se fiava deles, porque os conhecia a todos e não precisava de que Lhe dessem informações sobre ninguém: Ele bem sabia o que há no homem.

Caros amigos e amigas, após o silêncio do deserto e a luz do Tabor, o Evangelho conduz-nos ao Templo de Jerusalém para nos convidar ao lugar do verdadeiro encontro dos filhos de Deus.

Interpelações da Palavra
Gesto profético
Fora de improviso, num modo inesperado, que Jesus, imbuído de coragem e força, derrubara as mesas das moedas, expulsara animais e comerciantes, provocara uma revolução no átrio do Templo de Jerusalém. As pombas esvoaçaram amedrontadas, regressando à liberdade do céu. No Templo o acesso a Deus era regulado por ofertas e sacrifícios, havia como que uma portagem obrigatória, para a qual existia um mercado que vendia o necessário para o culto. Os sacerdotes eram profissionais do sagrado, mais zeladores dos próprios interesses do que dos mistérios divinos.
O zelo de Jesus não é por causa das pedras ou da beleza arquitectónica, mas a sua revolta vai contra um sistema que, em vez de facilitar o encontro entre Deus e o homem, o torna cheio de obstáculos, barreiras e exclusões. Ainda hoje continuamos contaminados por esta mentalidade: pensar que Deus, a salvação, a cruz… se possam merecer, pagos pelas moedas das práticas religiosas. Ele não está à venda nem se compra com velas, promessas, liturgias e votos piedosos. Também não é alguém a convencer e a subjugar à própria vontade com sacrifícios e orações, mas é um Pai que ama e conhece os corações e as súplicas dos seus filhos.

Jesus é o templo de Deus
Diante da admiração de todos, Jesus convida a destruir o templo, para que Ele o possa levantar em 3 dias! De facto, não são os ritos sacros, as paredes de um templo, as estruturas religiosas que garantem Deus. Ele não se merece, mas recebe-se como hóspede, na própria vida, nas palavras e nos gestos que Ele inspira. Nada melhor que a relação do Pai e do Filho, verdadeiro templo do encontro e da verdade. A casa do Pai é sempre o coração do Filho! Com Jesus, o Templo é ser casa, lugar da intimidade e da família, lugar onde cada um sabe a sua identidade. A humanidade de Jesus é o lugar do encontro com Deus, onde Ele marca encontro connosco.

Ser pedra viva do templo do Senhor
Nos Evangelhos vemos, algumas vezes, Jesus que vai ao Templo, contudo frequenta muitas mais vezes a vida, as casas, os campos, as aldeias e o pó das estradas da Palestina. Ele ensina que Deus se encontra na vida de todos os dias, nas pessoas que são o templo frágil e belo do infinito! Quem me dera caminhar na vida, diante de cada pessoa, com veneração, fazendo de cada passo e encontro uma peregrinação! Toda a existência é lugar de encontro com Deus. Pode-se contemplar a sua presença no sacrário da Igreja, mas é principalmente nas lágrimas da mãe, no sorriso do filho, na mochila do emigrante, na mão estendida do mendicante… que O podemos adorar em espírito e verdade.
Cuidar da vida humana, principalmente daquela mais frágil, é prestar o verdadeiro culto a Deus. Profanar alguém – sobretudo pobre, criança, frágil – é o pior sacrilégio que se possa cometer. E se uma vida vale pouco, nada contudo vale quanto uma vida. Porque com um beijo Deus deu vida ao homem e, pelo seu Filho, a ressuscitou!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, os vícios que povoam o meu interior ditam por vezes inconveniências que desmascaram
o meu fraco amor por ti, a minha frouxidão, a minha incoerência. Com facilidade vou atrás dos
meus interesses, sem questionar se as minhas ações são indignas da minha fé!
Senhor, que o chicote da tua Palavra acorde as minhas incoerências, me faça presente
a força dos meus compromissos batismais e me faça enveredar pelo caminho da rectidão.

Viver a Palavra
Vou fazer-me próximo de alguém através de um gesto concreto de escuta e presença.