Mistagogia da Palavra

A Igreja vai-nos descobrindo as maravilhas assombrosas da vida divina em nós, que começa no momento em que o homem se une a Cristo pela fé e se enxerta n’Ele pelo Baptismo. Vida misteriosa, mas vida real, a única que pode saciar plenamente toda a sede de verdade, de amor, de justiça e de liberdade, que atormenta o coração do homem.
Na 1ª leitura, do Livro do Êxodo, Deus manifestou-Se a Moisés em toda a sua grandeza e transcendência, mas, ao mesmo tempo, mostra-se também muito próximo do homem. É por isso que intervém na história dos homens e toma a iniciativa de os salvar. Chamando Moisés e enviando-o para o meio dos seus, a fim de os libertar da sua situação desesperada, Deus mostra bem que Ele é “Aquele que é”, que não está a dormir, nem esquece as suas promessas, mas está sempre no meio do seu Povo.
A 2ª leitura é de S. Paulo aos Coríntios. A obra realizada por Deus para cumprir os seus desígnios, manifestados a Moisés no Sinai, foi admirável. Contudo, muitos daqueles que foram libertados da escravidão não souberam corresponder. Ora isto é um aviso para o novo Povo de Deus. A salvação oferecida por Deus no Baptismo não actua automaticamente: requer a nossa livre colaboração.
No Evangelho, 3ª leitura, de S. Lucas, Jesus diz-nos que as calamidades e desgraças, sendo sinais e consequências do nosso estado de pecado, não podem, no entanto, ser interpretadas como punição. Não deixam, porém, de constituir um apelo da parte de Deus à mudança de vida e à conversão permanente, pois não somos melhores do que aqueles que sofrem. De nada nos valerá pertencermos ao Povo de Deus, se deixarmos de dar frutos de penitência.

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra
Vem, Espírito Santo, impele-me a uma confiança inabalável na misericórdia de Deus!


Evangelho    Lc 13, 1-9
Naquele tempo, vieram contar a Jesus que Pilatos mandara derramar o sangue de certos galileus, juntamente com o das vítimas que imolavam. Jesus respondeu-lhes: «Julgais que, por terem sofrido tal castigo, esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus? Eu digo-vos que não. E se não vos arrependerdes, morrereis todos do mesmo modo. E aqueles dezoito homens, que a torre de Siloé, ao cair, atingiu e matou? Julgais que eram mais culpados do que todos os outros habitantes de Jerusalém? Eu digo-vos que não. E se não vos arrependerdes, morrereis todos de modo semelhante. Jesus disse então a seguinte parábola: «Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi procurar os frutos que nela houvesse, mas não os encontrou. Disse então ao vinhateiro: ‘Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira e não os encontro. Deves cortá-la. Porque há-de estar ela a ocupar inutilmente a terra?’ Mas o vinhateiro respondeu-lhe: ‘Senhor, deixa-a ficar ainda este ano, que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo. Talvez venha a dar frutos. Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano».

Caros amigos e amigas, apesar da nossa esterilidade, Deus volta a surpreender-nos, confiando em nós, entregando-nos o seu Filho amado e a Palavra da Vida. Apesar das nossas negações, Ele afirma a Misericórdia.

Interpelações da Palavra

“Se não vos arrependerdes, morrereis”
Terrível sentença, grito de dor e apelo de conversão! Jesus não procura culpados, mas recorda a responsabilidade de cada um diante dos acontecimentos da vida, mesmo os mais trágicos, numa solidariedade humana que não deixa ninguém inocente, nem indiferente! Sim, todos participamos das alegrias e tristezas do mundo. E, se não houver uma mudança de olhares, gestos e atitudes, então o mundo morrerá de frio, sem frutos e sem sabor! Se não nos convertermos, morreremos! Talvez não no fragor dos desabamentos, mas no drama silencioso da infertilidade, na tragédia da vida sem sabor, no deserto de um coração ressentido e amargurado. Deus não olha, indiferente, as tragédias do mundo, mas pede-nos para O tornarmos presente junto de quem sofre, para sermos bálsamo e gestação de um mundo novo.

 “Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira e não os encontro”
Três anos de busca sem resultados. Três anos de anúncio evangélico e resultados infrutíferos! Três anos de trabalho e dedicação sem saborear o doce fruto! Porque não então cortar todas as figueiras que se apropriam dos dons da terra e acumulam folhas vazias?
No entanto, o vinhateiro insiste: “deixa-a mais um ano”! Redobrando-lhe dedicação e o adubo da misericórdia! Maravilhoso vinhateiro que inventa o futuro onde aparentemente não existia. Pacientemente, se dedica para que a árvore da nossa vida dê fruto. «É o tempo que perdeste com a tua rosa que tornou aquela rosa especial» (Saint-Exupéry). Assim é o Filho de Deus que vive seduzido pelos frutos vindouros: o bem e a beleza possível do amanhã contam sempre mais do que a infertilidade de ontem.

 “Talvez venha a dar frutos”
A teimosa persistência da esperança de Deus contenta-se com um pobre e frágil “talvez”. Mais um ano de sol, de chuva, de trabalho e talvez dê fruto! Aquele “talvez” é mais que uma anunciação: é a coragem divina que se empenha contra toda a probabilidade. Deus ousa sonhar os impossíveis!
Deus não busca os porquês estéreis da infertilidade, não acusa a aridez, mas aventura-se incansavelmente a fazer frutificar a seiva, a dar à luz a vida escondida, a adoçar e promover a existência. Deus não condena a árvore seca, mas abraça-a tal como desposa a cruz, tornando-a árvore de vida. No madeiro do calvário o amor vence a morte, a nudez é revestida de alegria, o lamento torna-se dança, o inferno fica vazio, o paraíso é dado ao pecador. 
Não nos pertence cortar as árvores nuas, mas é tarefa nossa cavar a terra da humanidade para que o sol brilhe e os frutos apareçam. Converter-se é acreditar neste Deus que não ameaça de morte, mas sabe que em nós está em gestação a semente capaz de, com persistência e a dedicação incansável do amor, fecundar milagres. 

Rezar a Palavra
Senhor, reconheço que manifestas o teu imenso poder quando perdoas e te compadeces.
Sinto tanta alegria por saber que continuas a contar comigo para embelezar o mundo.
Tu me encorajas a permanecer, porque não me excluis, porque me confias os teus tesouros. 
Ajuda-me, meu Deus, a ter igual comportamento para com os meus irmãos. A acreditar!
Ensina-me essa prodigiosa esperança “contra toda a esperança” que conquista cada manhã, 
Aumenta em mim uma fé que obedece e uma caridade que teima acreditar na bondade.

Viver a Palavra
À semelhança do meu Deus, esta semana vou procurar usar de misericórdia para com os meus irmãos!