Passa por mim na praia e chama

Entretido!
Mergulhado nos afazeres da pesca quotidiana não dou pela tua presença. Aproximas-te ainda mais e continuo a remendar as redes. Fazes ouvir a tua voz e olho o mar e o seu rumor. Gritas mais alto e olho para o pai sentado no barco.
Não! Não foi ele quem falou.
Insistes e lanço o olhar ao horizonte e compreendo “vem comigo… serás pescador de homens”.
Uma palavra, duas palavras, poucas palavras são toda a palavra. Olho-te e apenas entendo “vem e segue-me”.

LEITURA I Jonas 3, 1-5.10

A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas nos seguintes termos: «Levanta-te, vai à grande cidade de Nínive e apregoa nela a mensagem que Eu te direi». Jonas levantou-se e foi a Nínive, conforme a palavra do Senhor. Nínive era uma grande cidade aos olhos de Deus; levava três dias a atravessar. Jonas entrou na cidade, caminhou durante um dia e começou a pregar, dizendo: «Daqui a quarenta dias, Nínive será destruída». Os habitantes de Nínive acreditaram em Deus, proclamaram um jejum e revestiram-se de saco, desde o maior ao mais pequeno. Quando Deus viu as suas obras e como se convertiam do seu mau caminho, desistiu do castigo com que os ameaçara e não o executou.

Apesar de ser uma cidade pagã Nínive recebe, através de Jonas, o aviso de Deus para se arrepender. Jonas, visivelmente contrariado é o porta-voz da mensagem que salva os ninivitas da desgraça.

Salmo Responsorial Salmo 24 (25), 4bc-5ab.6-7bc.8-9 (R. 4a)
É a nós, pecadores, que o Senhor ensina os seus caminhos e orienta os passos no sentido da verdade e da justiça. Ajudados pelo salmista insistamos na oração, pedindo ao Senhor que nos mostre os seus caminhos.

LEITURA II 1Cor 7, 29-31

O que tenho a dizer-vos, irmãos, é que o tempo é breve. Doravante, os que têm esposas procedam como se as não tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que andam alegres, como se não andassem; os que compram, como se não possuíssem; os que utilizam este mundo, como se realmente não o utilizassem. De facto, o cenário deste mundo é passageiro.

A palavra de Deus anunciada por Paulo recorda-nos que o tempo é breve e passageiras as coisas deste mundo. A palavra do Senhor, porém, é eterna e a ela devemos afeiçoar os nossos corações.

EVANGELHO Mc 1, 14-20

Depois de João ter sido preso, Jesus partiu para a Galileia e começou a proclamar o Evangelho de Deus, dizendo: «Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho». Caminhando junto ao mar da Galileia, viu Simão e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores. Disse-lhes Jesus: «Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens». Eles deixaram logo as redes e seguiram Jesus. Um pouco mais adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, que estavam no barco a consertar as redes; e chamou-os. Eles deixaram logo seu pai Zebedeu no barco com os assalariados e seguiram Jesus.

Deus aproxima-se dos homens em Jesus. Junto dos pecadores da Galileia anuncia a necessidade da conversão e chama, para que o sigam, todos os que escutam a sua palavra e acreditam no evangelho.

Reflexão da Palavra

O autor do livro de Jonas apresenta-se como sendo Jonas, filho de Amitay, mas não tem sido fácil determinar historicamente o autor e os factos narrados. Daí que alguns optem por entender que se trata de uma parábola, uma história com uma mensagem, o que também não é consensual. Dificuldades à parte, sabemos que terá sido escrito na época pós-exílio com intensão de manifestar a universalidade da salvação face ao nacionalismo de Israel, à época.

O texto da primeira leitura fala da segunda intervenção de Deus na vida de Jonas. “a palavra do Senhor foi dirigida pela segunda vez a Jonas” com a intenção de o enviar a Nínive. Sabemos que, da primeira vez, Jonas recusa-se, foge e acaba no ventre da Baleia que o vomita na praia. Jonas percebe desse modo que não vale a pena fugir do chamamento de Deus.

O texto está cheio de elementos que nos podem ajudar a compreender a mensagem. Por exemplo, Jonas passa três dias dentro do monstro, a baleia, e leva três dias a atravessar a grande cidade de Nínive. Os marinheiros do barco não aceitam que Jonas continue viagem com eles, mas os ninivitas aceitam a sua palavra. Os marinheiros tinham cada um o seu deus, diferente do Deus de Jonas, mas em Nínive, cidade pagã, escuta-se a palavra do Deus de Israel.

Para um judeu seria difícil aceitar que a palavra de Deus fosse também para os pagãos, pois Senhor é o Deus de Israel. No entanto Deus envia Jonas a uma cidade pagã com uma mensagem na esperança da sua conversão.

A mensagem é simples “Daqui a quarenta dias, Nínive será destruída.” O profeta não se apresenta, não explica quem é o Deus que o envia, não refere mais do que a sentença de Deus para a cidade e o prazo para que tudo aconteça. Quarenta dias e não mais. É o tempo necessário para que possam tomar uma decisão e definir o seu futuro.

A palavra de Deus anunciada pelo profeta, mesmo contrariado, produz efeito. Os ninivitas, perante a possibilidade da destruição da cidade “acreditaram em Deus, proclamaram um jejum e revestiram-se de saco” em sinal de penitência e desejo de conversão, visível também na atitude do rei. Perante a decisão do rei e de todo o povo, mudança que “Deus viu”, o castigo foi suspenso “desistiu do castigo”.

Os ninivitas aparecem no evangelho como exemplo para os judeus, porque acreditaram quando Jonas pregou e os judeus não se convertem ao escutarem Jesus (Cf. Mt 24,41).

O salmo 24, que já encontrámos no 26º domingo comum do ano A com os mesmos versículos, aparece nesta liturgia como uma resposta à palavra de Deus que convida à conversão. O salmista suplica ao Senhor que ensine, com a sua palavra, os pecadores e oriente os humildes.

A ressurreição de Jesus deu início à última etapa do projeto salvífico de Deus. A salvação vem de Deus e não do mundo. Perante a vida nova que o cristão experimenta em Cristo, vida definitiva e permanente, as coisas deste mundo são passageiras. Paulo adverte os cristãos para que não se prendam às coisas deste mundo. Em todas as circunstâncias devem cumprir as obrigações que correspondem a cada um, com total desprendimento, sem prender o coração às realidades que passam, para estar totalmente disponíveis para a vinda do Senhor. Estas palavras de Paulo recordam as palavras de Jesus “o céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar” (Mt 24,35).

O texto do evangelho reúne dois tempos distintos. Os dois primeiros versículos (14 e 15) põem fim à missão de João Batista e dão início à missão de Jesus. “Depois” é a palavra que determina um antes referido a João “ter sido preso” e um novo começo referido a Jesus “partiu para a Galileia” e “começou a proclamar”. O encarceramento de João, que põe final à sua ação, aponta já para o desfecho da vida e missão de Jesus pois, também ele vai ser preso (14,46).

Situar o início da pregação de Jesus na Galileia é determinante para a mensagem do evangelho de Marcos. Sendo fronteira com regiões pagãs e lugar de influência de outras culturas, particularmente a cultura helenista, a Galileia, por força desta influência, é alvo da desconfiança dos judeus de Jerusalém. Marcos, ao apresentar o início da missão de Jesus nesta região pretende afirmar a proximidade de Jesus com os últimos, os que vivem na escuridão e nas sombras de morte como profetizava Isaías e, ao mesmo tempo, afirmar o universalismo da mensagem do evangelho de Jesus.

Jesus, com a sua mensagem, dá continuidade ao discurso de João e torna presente o reino que o Batista anunciava, porque ele é maior do que João, é o esperado. A sua chegada dá pleno cumprimento ao tempo, “cumpriu-se o tempo”, chegou o tempo oportuno para que se realize o Reino de Deus entre os homens. Converter-se e acreditar são dois requisitos para passar do reino de Satanás, já vencido por Jesus no deserto das tentações, e entrar no reino de Deus. Converter-se significa mudar de mentalidade e acreditar é aderir à pessoa de Jesus, tornando-se seu discípulo.

Um segundo tempo é preenchido com o chamamento dos primeiros discípulos. A cena começa com uma afirmação da proximidade de Jesus, “caminhando junto ao mar da Galileia”. A proximidade dá-lhe a possibilidade de ver e “viu Simão e seu irmão André” e de chamar “vinde comigo” e com este movimento, aqueles que “lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores” iniciaram um caminho atrás de Jesus para chegarem a ser “pescadores de homens”.

Com a mesma proximidade, “mais adiante” repete-se a cena “viu Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João” que não lançavam as redes ao mar, mas “estavam no barco a consertar as redes”, preparavam tudo para ir ao mar. Desta vez o texto apenas diz “chamou-os”, sem referir que palavras lhes disse, pelo que entendemos que terá dito as mesmas palavras.

Uns e outros entenderam que aquele chamamento implicava ir atrás de Jesus e dar início a um caminho e “deixaram logo as redes e o pai no barco e seguiram Jesus”, para serem pescadores de homens.

Meditação da Palavra

Esta liturgia insere-se no contexto da celebração do “Domingo da Palavra que Deus” que o Papa Francisco instituiu em setembro de 2019. Este é já o quinto ano em que a Igreja celebra o Domingo da Palavra de Deus e tem como tema “Permanecei na minha palavra” (Jo 8,31). Neste domingo dá-se prioridade à Palavra de Deus e àqueles que mais diretamente se dedicam, na comunidade cristã, ao seu anúncio e proclamação. Estão entre eles de modo especial os leitores, os catequistas e os Orientadores das Celebrações Dominicais na Ausência de Presbítero (OCDAP).

As leituras deste domingo ajudam a compreender a intenção do Santo Padre ao indicar um dia especial para fixarmos a nossa atenção na Palavra de Deus.

A atitude de Jonas, o profeta que tenta resistir ao chamamento de Deus que o escolhe para ser instrumento da sua misericórdia junto dos pagãos ninivitas, que correm o risco de ser destruídos por causa dos seus pecados, questiona a nossa surdez. Há uma palavra que tem poder para salvar e esta é a Palavra de Deus. Tem de chegar aos ouvidos de todos para salvar a todos. É certo que Deus é misericordioso e não precisa de nós para salvar, mas ele sempre escolhe alguém para se tornar próximo e visível dos homens que experimentam o drama do pecado.

Jonas compreende que Deus é mais forte do que ele e encontra sempre forma de concretizar o seu desejo de salvar o homem. Pode salvar sem a colaboração humana, mas não desiste de nos comprometer com a salvação de todos. Vencido por Deus, mas não convencido, Jonas atravessa a cidade durante três dias gritando, para que todos possam escutar, que a cidade vai sofrer um castigo por causa dos pecados dos seus habitantes. Tudo vai ser destruído. A resposta dos ninivitas à palavra de Deus ali anunciada, a começar pelo rei, comove o coração de Deus que desiste do castigo.

Dar por perdidos aqueles que por alguma razão estão mergulhados no pecado é não conhecer o poder salvador da palavra de Deus, nem a força do amor de Deus que não desiste de ninguém. Disponibilizar-se, com os sentimentos de misericórdia que vemos em Deus, para levar a Palavra de Deus a todos, é o que se pede a quem recebe habitualmente a graça de escutar a palavra.
Há pessoas que vivem agarradas às coisas deste mundo. Ocupadas diariamente apenas com as coisas passageiras, nem dão conta que o tempo passa e que o essencial, que dá conteúdo à vida e sem o qual a vida não é mais do que cenário passageiro, lhes escapa. A palavra de Deus tem o poder de revelar a importância de todas as coisas e o seu justo lugar na vida de cada um. Anunciar a Palavra de Deus a estes, que vivem distraídos com o que é fútil, é missão de todos os que, pela fé, se tornaram discípulos de Cristo.

O evangelho fala precisamente do início da missão de Jesus. Ele vai à Galileia, para anunciar a urgência de uma resposta de conversão e adesão ao evangelho, por parte dos que vivem nas sombras da morte. E, na sequência deste primeiro anúncio, Jesus chama quatro homens para serem seus discípulos. São homens arrancados à vida quotidiana, pela Palavra de Jesus, para chegarem a ser pescadores de homens.

O evangelho resume-se, para os verdadeiros discípulos, a duas palavras “vem e segue-me”. Ser discípulo é ir e permanecer no evangelho, que é palavra e vida do próprio Jesus, para que, como ele se tornem verdadeiros apóstolos, pescadores de homens, missionários da Palavra.

Na comunidade cristã, os catequistas, os leitores e os orientadores das celebrações dominicais, são os responsáveis por fazer ressoar a Palavra de Deus no coração da comunidade e no coração de cada um. Aqueles que participam na celebração bem como os que desejam conhecer Jesus através da catequese precisam de encontrar no orientador, no leitor e no catequista um discípulo de Jesus verdadeiramente rendido ao evangelho, empenhado em viver e anunciar a todos o misterioso coração de Deus revelado em Jesus.

Preparar bem as celebrações, as leituras da celebração, assim como preparar bem as sessões de catequese é o modo imprescindível de colaborar com Deus na salvação de todos. Esta preparação não é apenas uma questão técnica. Trata-se, sobretudo, de uma adesão à mesma palavra e ao seu poder de converter a vida daqueles a quem ela é anunciada. Pede a palavra que nos disponibilizemos, vencendo o que em nós é impedimento, para servir com alegria a palavra de Deus a todos.
A Palavra de Deus é que nos faz povo de Deus, faz-nos Igreja, comunidade. A partir da Palavra de Deus é que dialogamos entre nós, encontramos caminhos de solução para os diversos problemas e resposta para as dificuldades de cada um. Vencemos as diferenças, a apatia e o desinteresse pelo bem comum. Pela Palavra de Deus fazemos encontro, comunhão, sinodalidade e percebemos o nosso lugar, a dimensão da nossa responsabilidade e a profundidade do nosso compromisso na Igreja e no mundo.

Rezar a Palavra

No cenário passageiro deste mundo, a tua palavra, Senhor, é vida e eternidade. Rompe os ouvidos entorpecidos e os corações distraídos e faz ressoar a tua palavra. Chama, Senhor, diz o meu nome, o nome de cada um, desperta em nós o desejo da justiça e da verdade e move-nos para seguirmos contigo até sermos verdadeiros pecadores de homens, alegres no serviço e confiantes do amor. A tua palavra, Senhor, seja a luz no meu caminho.

Compromisso semanal

Sinto o apelo de Deus para conhecer melhor a sua palavra e para a levar a todos.