Hoje continua a insistir-se na importância de estar juntos, de formar grupos e de participar na comunidade. Por outro lado, observa-se que, quando as pessoas estão em grupo, podem estar fisicamente juntas mas, cada um actua individualmente e ocupa-se das suas coisas. A pessoa está e não está ao mesmo tempo no grupo porque se ocupa só das suas coisas e não comunica com os outros.
Ora, S. Paulo recorda-nos que nós formamos um corpo, somos membros diferentes uns dos outros, cada um tem os seus dons, faz a sua parte, mas para o bem de todos, para que o corpo cresça e esteja unido. O outro não é uma ameaça ou um concorrente que põe em causa as minhas aspirações. É diferente e exerce funções próprias que contribuem para o crescimento e para o bem comum. Quase poderíamos dizer que cada um existe porque todos os outros também existem.

  1. Palavras e Palavra

– Também assistimos com frequência a discursos, entrevistas, comunicados, esclarecimentos, sermões,… Tantos momentos em que somos bombardeados por palavras, por vezes, com tal espectáculo que nos leva a ficar de pé atrás…
– Mas há as palavras e “A Palavra”: na Liturgia nós estamos reunidos, em assembleia e, este facto, pode já não criar a mesma disposição de estar com os outros e de escutar juntos como dantes. Temos mais meios técnicos para acompanhar a celebração mas, a maior parte das vezes não criamos as condições e não nos dispomos a ouvir…
– Uma parte importante da nossa reunião é a escuta da Palavra. E que Palavra é esta que é diferente das outras? É a Palavra de Deus, a Palavra da Salvação…
– Quando o povo de Israel regressou do exílio da Babilónia estava ansioso por escutar a Palavra, por ter linhas orientadoras da sua vida na reorganização da comunidade… O acontecimento da leitura da Palavra narrado hoje no livro de Neemias mostra como todo o povo escuta atentamente a Palavra para ter algo de sólido e decisivo na sua vida…
– Naquela assembleia havia gente diferente: governadores e sacerdotes, letrados e levitas, gente comum, analfabetos, homens e mulheres, velhos e crianças… Todos se reuniram no Largo em frente da Porta das Águas, um sítio onde todos puderam escutar…
– Todo o povo, depois da leitura, respondeu erguendo as mãos: “Ámen! Ámen”. Quer dizer: confirmado, é isso mesmo, estamos seguros, é verdade, a nossa vida tem que ir por aí… O povo reconheceu que tinha que escolher: ou escutar a Palavra de Deus, ou continuar a escutar-se a si próprio para fazer o que mais convém ou os outros para fazer o que lhes agrada…
– O dia consagrado ao Senhor, para nós, cristãos, é o dia do Domingo, o dia da Palavra, do encontro do povo, da assembleia reunida para escutar a Palavra, “as palavras do Senhor que são espírito e vida” (Salmo).

  1. A Palavra e a missão de Jesus

– O Evangelho é Palavra falada e escrita (início do Evangelho de Lucas). De acordo com este Evangelho, Jesus começou a sua missão numa assembleia reunida, na sinagoga de Nazaré, proclamando o seu programa do Reino de Deus. O texto do profeta Isaías veio mesmo a propósito quando diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim…”
– Jesus não começou por denunciar o que estava mal, não apontou para as desorientações dos seus conterrâneos ou dos poderes instituídos. Ele anuncia uma palavra de esperança, um mundo novo, uma nova forma de as pessoas estarem juntas. O que Ele diz vai ao encontro da expectativa das pessoas, das transformações que é necessário operar superando os seus sofrimentos e inquietações…
– Jesus veio anunciar a Boa Nova aos pobres: o que Jesus propõe é justiça… Não é que os pobres sejam melhores que os outros mas porque, se existem, é porque alguém se desviou dos caminhos de Deus… Se o Reino de Deus começar a estar presente os pobres serão felizes…
– Numa época em que o que parece determinar tudo já não é Deus, mas o dinheiro, o capital; em que parece que os ricos levam sempre a melhor (alguém terá dito, um dia, qualquer coisa deste género: “estamos numa luta de classes e a minha classe, a dos ricos, está a ganhar”…) o anúncio da Boa Nova aos pobres é mais actual do que nunca, não passou de moda…
– A liberdade aos prisioneiros: há opressões e alienações várias, impulsos destruidores…
– Aos cegos, a vista: a dor e o mal cegam… É preciso dar sentido e esperança…
– O ano da graça do Senhor: na tradição judaica era aquilo a que poderíamos chamar o “ano zero”, de recomeçar tudo, estando todos em pé de igualdade (o ano jubilar tinha esta finalidade)…
– Estavam fixos em Jesus os olhos de quantos se encontravam na sinagoga; quer dizer que aquela gente se sentiu atraída por Ele. Aquela palavra despertou-os porque orientava para uma vida diferente, para a realização de um projecto de Deus a favor da humanidade. E Jesus termina a dizer: Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir. Então, dá vontade de dizer: “mãos à obra”!…