Em contexto de guerra, de conflitos e tensões, assiste-se sempre a interpretações diferentes dependendo da origem ou da parte beligerante. Ouvem-se os representantes russos a dizer que não se trata de uma invasão da Ucrânia e a proibir que se use esta expressão para identificar o que se está a passar naquele território. Somos levados a pensar que, o que ouvimos hoje no livro dos Actos dos Apóstolos, obedece a estratégias semelhantes. Face à popularidade dos apóstolos e aos êxitos da sua missão, o Sumo Sacerdote proíbe-os de ensinar em nome de Jesus impondo assim uma versão oficial sobre os acontecimentos que elimina o nome de Jesus.
Também a ordem de Jesus, no Evangelho, de lançar as redes para o outro lado, dada a quem estava no meio do lago e habituado às lides da pesca, pode parecer uma ousadia, uma versão diferente da dos que faziam da pesca a sua actividade diária… Há determinados tipos de linguagens e interpretações que se ajustam melhor ou pior à realidade de acordo com as disposições e as opções de vida de quem as utiliza. Mas, são sempre os factos que confirmam ou desmentem o que é dito. Está também neste caso a questão da tríplice insistência no amor de Pedro para com Jesus: dizes que gostas de mim, que me amas, que me segues? Então, considera bem o que isto significa: que deves amar os outros, procurar a felicidade de todos e que todos sigam Jesus. O resto, poderíamos dizer em bom português, “é conversa”.

1. Desistência ou recomeço?

– Sabemos que os primeiros seguidores de Jesus estavam ligados à faina da pesca e o relato do Evangelho de São João, lido neste Domingo, parece indicar-nos que sete deles teriam voltado, por algum tempo, às suas actividades anteriores…
– Este regresso pode significar uma certa resignação perante os acontecimentos que tinham vivido… Eles fizeram uma experiência dolorosa, que pode ser comparada a tantas experiências humanas de perda de alguém que está muito próximo de nós: parece que cai tudo, fica a incerteza, o medo, as dúvidas… Sair desta situação é um processo lento de ida e volta, de intuir e pressentir algo indefinido…Quando Pedro diz “vou pescar”, parece que se conforma com o voltar a fazer o que sempre fez, dando a entender que não haveria muito mais a esperar…
– O que aconteceu foi que, apesar de a noite ser o período mais indicado para apanhar o peixe, a tentativa deu em nada. Vai ser o dia, iluminado pela presença do Senhor ressuscitado, que criará as condições para obter bons resultados…
– O texto do Evangelho mostra que os seguidores de Jesus até podem estar nos lugares em que os outros estão, fazer as mesmas experiências, desenvolver as suas actividades no trabalho, na família, na diversão, cultivar a amizade, manifestar a dor e a alegria mas, têm que estar de maneira diferente… Têm que ter um “sexto sentido”, como João, e dar-se conta da presença do Senhor ressuscitado ali, no lugar onde estão, deixando-se iluminar pelo ressuscitado…
– Nós nunca saberemos qual era a figura de Jesus ressuscitado, que corpo glorioso era aquele!… Não seria fácil identificá-lo dadas as hesitações de Maria Madalena (pensava que era o hortelão), dos discípulos de Emaús (era um caminhante ao lado deles) de Tomé, de João e de todos os outros discípulos (era um desconhecido que tinha aparecido ali na margem do lago)… Sabemos, isso sim, que Ele se apresenta, fala e faz coisas diferentes do comum dos mortais… Está vivo!

2. O diálogo e o seguimento

– Na segunda parte do texto do Evangelho Jesus dirige-se a Pedro. Certamente que o diálogo reabilita Pedro (a última intervenção tinham sido as três negações no decurso do processo da condenação!) mas coloca também em evidência a missão do apóstolo que vem muito a propósito no início da semana das vocações…
– Há três aspectos a sublinhar nas perguntas e nas instruções de Jesus:
1) A relação estreita que se estabelece entre quem envia e quem é enviado… Não basta receber uma missão; o discípulo deve viver uma profunda relação com o Ressuscitado: “amas-me?”…
2) A missão é um encargo que foi confiado e que tem de ser levado por diante; o rebanho não é propriedade daquele que é enviado; Jesus diz: “apascenta as minhas ovelhas”. O pastor é Cristo e o rebanho pertence-lhe; o discípulo será sempre um servidor…
3) A missão recebida do Senhor requer uma comunhão e um compromisso total até ao fim; o amor tem que ser levado até ao extremo… “disse isto para indicar o modo como Pedro havia de dar glória a Deus”…

3. A felicidade dos discípulos

– O livro dos Actos dos apóstolos testemunha como Pedro e os apóstolos interpretaram este compromisso… Quem viu Pedro e quem o vê?!… Responderam: “Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens”… E saíram contentes “por terem merecido ser ultrajados por causa do nome de Jesus”…
– Muitas vezes pensamos que ser feliz ou desgraçado depende das coisas que nos acontecem. Mas toda a gente é capaz de notar que, padecendo da mesma doença, há quem fique deprimido e quem seja capaz de enfrentar com esperança… Perante as mesmas dificuldades económicas há famílias que ficam angustiadas e famílias que são capazes de superar esses sentimentos… O que faz a diferença não são as coisas, mas a atitude interior e a perspectiva de vida com que se interpretam os acontecimentos…
– É por isso que “sofrer pelo nome de Cristo” pode ser causa de felicidade…