Em tempo de Advento, a palavra proclamada recorda-nos personagens, acontecimentos da história e lugares geográficos relacionados com grandes momentos da história da Salvação. O Evangelho de Lucas refere o imperador romano, o governador da Judeia, a família de Herodes, os sumos-sacerdotes de Jerusalém Anás e Caifás, Zacarias e o filho João Baptista, que desenvolve a sua actividade no deserto da Judeia.
O profeta Baruc centra-se em Jerusalém, anunciando que a aflição e o luto tinham terminado e que os dispersos haviam de regressar à cidade, felizes por Deus se ter lembrado deles.
A história da Salvação é assim: concreta, com gente bem identificada, em lugares definidos, referindo acontecimentos da vida das pessoas e dos povos. A Bíblia não é um qualquer conjunto de teorias ou um enunciado de doutrinas. É expressão da vida das pessoas no seu relacionamento com Deus e a interpretação dos acontecimentos da história naquilo que têm a ver com a acção de Deus. Hoje, Deus também comunica pelos acontecimentos da actualidade como se deu a conhecer pelos acontecimentos da história passada e pela Sua voz que continua a fazer-se ouvir. É preciso escutar essa voz. Só no diálogo com Ele é que O podemos conhecer; por isso, deixemos que seja Ele a falar connosco para depois darmos a nossa resposta.

  1. As vozes e a voz

– Nota-se hoje que as pessoas têm grande necessidade de ser ouvidas, de que alguém lhe preste atenção e as escute…
– Apesar dos meios de comunicação ao nosso alcance, e embora estejamos sempre “conectados”, corremos o risco de viver numa sociedade de surdos, onde ninguém fala nem ouve, e não há quem preste atenção às nossas alegrias e preocupações…
– Entre tantas vozes e palavras, não existe a capacidade de “distinguir os ecos das vozes”, o significado das mensagens que recebemos… Falta discernimento, não há critérios de selecção e deixamo-nos enredar na barafunda dos que fazem mais ruido…
– Quando João Baptista é identificado com a Voz também podemos ser levados a confundi-lo com mais uma voz entre tantas outras e a identificá-lo com qualquer eco… Mas não é bem assim: a voz do profeta não é o eco de si próprio… Ele fala sempre em nome de Outro, e este Outro é Deus que o envia; Deus que está sempre em linha, a comunicar, escuta-nos e fala. O nosso Deus é o Deus da comunicação e da Palavra e, como tantos outros profetas, João Baptista foi enviado para anunciar uma mensagem que lhe foi confiada por Deus…
– A voz indica um caminho: há vales que têm de ser aplanados e montanhas que têm de ser rebaixadas para que o caminho seja direito: seja um caminho de rectidão e de justiça…
– O profeta é assim: enviado para falar, anuncia que é preciso uma mudança porque as coisas não estão bem e há que assumir responsabilidades. Como alguém dizia: “se há pedaços de vidro no chão é porque alguém partiu a jarra!” Pois, é para isso que João Baptista chama a atenção: há estragos e é preciso repará-los…

  1. Os caminhos da justiça e da solidariedade

– A denúncia de João, como dos outros profetas do AT, põe a claro as injustiças, as mentiras, os ódios entre as pessoas… E aponta para os caminhos da paz, da vida, do amor e da esperança…
– Para instaurar a justiça, não basta identificar e fazer o diagnóstico das situações injustas; não basta queixar-se do aumento da inflação, do custo de vida e das desigualdades,… É necessário produzir frutos, fazer com que a caridade cresça (2ª leitura)…
– Há gestos que são importantes e que se realizam por este tempo do Natal: participar em campanhas de angariação de fundos, oferecer géneros e outros bens,… Isso é um sinal que vale a pena… Mas, falta tantas vezes a continuidade da participação em grupos e comunidades… As acções pontuais até são mais visíveis, mas o trabalho silencioso e continuado pode produzir mais frutos…
– Para isto, todos precisamos de mudar a maneira de viver… “É preciso abater os montes e as colinas, altear os vales, endireitar os caminhos tortuosos”…
– Quem dera que pudéssemos viver num mundo sem competitividade e desconfiança, aprendendo sempre e cada vez mais a gostar uns dos outros… Neste mundo saberíamos o que é ser solidário, justo, e o que Deus quer de cada um de nós…
– Para lá chegar, porém, goste-se ou não, o caminho é da renúncia ao “estilo de João Baptista”…O deserto não parece ser um destino mas um ponto de partida… Em tempos de crise até podemos construir comunidades muito mais fraternas: mais co-responsáveis, comunicando mais uns com os outros, mais humildes e mais pacientes… A espiritualidade do Advento passa por aqui…