Mistagogia da Palavra
O tema central deste domingo é a fé. Assim como a Abraão foi necessário muita fé para seguir o caminho que Deus lhe indicava, assim também ao cristão é necessário acreditar firmemente em Cristo para aceitar seguir o caminho que Ele propôs. É só pela via da cruz e do dom de si mesmo que se consegue chegar de facto à transfiguração. A fé cristã consiste em depositar a nossa confiança e amizade, por meio de Jesus, numa pessoa, Deus, a quem aceitamos e em quem confiamos absolutamente.
A 1ª leitura é do Livro do Génesis. Deus exige a Abraão a prova da sua fé. Isaac era o seu filho único, o filho da velhice e da promessa divina. E agora Deus pede-lhe o sacrifício da sua vida. Abraão obedece e caminha para o monte Moriá para sacrificar o filho. Mas no momento crucial o Anjo do Senhor detém o braço de Abraão. Por causa da sua fidelidade comprovada, Deus renova-lhe as promessas feitas antes.
A 2ª leitura é da Epístola de S. Paulo aos Romanos. Deus está com todos os que têm fé e que por ela foram justificados. Assim também Cristo que, em sua fidelidade ao Pai, deu a vida por nós, não pretende condenar-nos. “Quem nos separará do amor de Cristo?”. Nesse contexto, há uma única resposta: só nós podemos separar-nos do amor de Deus em Cristo Jesus. Deus jamais tomará a iniciativa da ruptura. Ele é um Deus fiel.
O Evangelho é segundo S. Marcos. É a Transfiguração do Senhor. Cristo na sua transfiguração, depois de ter anunciado aos seus discípulos a sua paixão e morte, mostrou-lhes no monte santo o esplendor da sua divindade, como antecipação e testemunho do caminho da ressurreição. Ao revelar em Si mesmo a glória futura, fortalece a nossa fé perante o escândalo da cruz e anima a nossa esperança.
A Palavra do Evangelho
Diante da Palavra
Vem, Espírito Santo, limpa dos meus olhos toda a fuligem do egoísmo e abre-os à beleza que salva!
Evangelho Mc 9, 2-10
Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e subiu só com eles para um lugar retirado num alto monte e transfigurou-Se diante deles. As suas vestes tornaram-se resplandecentes, de tal brancura que nenhum lavadeiro sobre a terra as poderia assim branquear. Apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus. Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés, outra para Elias». Não sabia o que dizia, pois estavam atemorizados. Veio então uma nuvem que os cobriu com a sua sombra e da nuvem fez-se ouvir uma voz: «Este é o meu Filho muito amado: escutai-O». De repente, olhando em redor, não viram mais ninguém, a não ser Jesus, sozinho com eles. Ao descerem do monte, Jesus ordenou-lhes que não contassem a ninguém o que tinham visto, enquanto o Filho do homem não ressuscitasse dos mortos. Eles guardaram a recomendação, mas perguntavam entre si o que seria ressuscitar dos mortos».
Caros amigos e amigas, o Evangelho hoje convida-nos a fazer uma experiência de luz e de beleza, que transfigura a vida e antecipa a Páscoa.
Interpelações da Palavra
Subir ao monte
Quando acolheram o convite, os três apóstolos não imaginavam que iriam ser testemunhas de uma experiência singular. Já sabiam que o Mestre habitualmente se afastava e se recolhia sozinho. Mas, naquele dia, eles participariam nessa experiência! Jesus arrastara-os para o monte, o lugar onde a terra encontra o céu, onde no passado Deus falara aos profetas, onde a vida respira horizontes mais amplos. Ali, em segredo, tiveram uma confidência: viram o diálogo de Jesus com o Pai, a relação que se torna luz, a verdade do Filho muito amado!
Hoje somos nós as testemunhas privilegiadas, convidados a passar do abismo do deserto para o monte da luz, a deixar a tirania das tentações para viver a transfiguração, a abandonar as trevas para libertar a luz semeada em nós. Quem experimenta a luz consegue viver apenas da luz! Mesmo que o futuro seja assombrado pelas trevas dos nossos pessimismos e sentimentos de impotência, permanece gravada na vida aquele brilho capaz de ultrapassar a morte.
Como é bom estarmos aqui!
O entusiasmo e a exclamação de Pedro contagia. Só quem fez a experiência de uma paixão, de um encanto, pode gritar com o coração: “que belo! que bom”! Descobrir a beleza da vida, desvendar o sabor das coisas, acordar a luz das pessoas, escutar a voz dos silêncios, abraçar todos como mistério de luz, conduz ao grito mais verdadeiro da alma. Sem este grito a fé é muda, vive engavetada, renuncia à sua vocação.
Nas vestes de Jesus, desbotadas pela chuva e pelo sol, no seu rosto rugado pelo jejum e pelo cansaço, ressoa a filiação divina. O rosto iluminado de Cristo revela-nos o seu coração de luz, aquele lugar onde nos sentimos finalmente em casa. Fora deste esplendor, somos estrangeiros, estamos distantes, não encontramos sentido. O rosto de Jesus é o rosto belo da humanidade, é a nossa identidade sonhada por Deus desde as origens. Na contemplação da beleza deste rosto tudo se torna harmonia, tudo sorri, tudo basta. Trespassado pela luz, cada instante ganha a sua beleza infinita. Quem dera que o rosto de cada um de nós fosse transparência da beleza de Deus!
“Este é o meu Filho muito amado, escutai-O”
Antes, poucas vezes se ouvira a voz de Deus. Muito menos se vira a sua face. Mas quando o mistério de Deus toca a vida, esta exala o eco da sua voz, então a humanidade é resgatada da orfandade! Deus revela-se como Pai, alimenta-nos com a sua Palavra, descerra-nos o céu. Amigos e amigas, arrisquemos subir ao monte com Jesus! Nesta Quaresma, deixemo-nos surpreender pela força da oração que se alicerça na Palavra, evolui para a contemplação e embeleza a vida. O céu é Jesus: é Ele o rosto visível e a palavra do Pai. É Ele o mistério belo de Deus, o Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, nos meus olhos de todos os dias, a rotina deixa uma película embaciadora, capaz de distorcer a beleza e a luz, capaz de esconder os sinais com que me declaras o teu amor e a tua presença constante,
capaz de fazer descer uma cortina de indiferença sobre os irmãos.
E, no entanto, é pelos olhos que tanto posso aprender de ti!
Senhor, com a água pura da tua Palavra, lava-me de toda a cegueira, mal entendidos,
verdades meias, preconceitos e juízos apressados. No batismo fui revestido da luz.
Cura a minha contemplação para que te possa ver e alimentar-me da tua beleza!
Viver a Palavra
Vou deixar regenerar a minha vida espiritual em momentos de encontro com o Senhor.