Uma voz que chama

Ouvir e seguir!
Uma voz na noite e um profeta na manhã. Uma voz que chama e um olhar que atrai. Uma luz na noite e um caminho a fazer. Uma palavra e um silêncio. Um ficar para sempre e um andar pelo mundo.
Às quatro da tarde ou a qualquer hora. Com um amigo pela mão ou sozinho na escuridão. Levado por um irmão ou atraído pelo olhar.
Encontrámos o Messias.
Eu sou Cordeiro e tu és Pedro.

LEITURA I 1Sm 3, 3b-10.19

Naqueles dias, Samuel dormia no templo do Senhor, onde se encontrava a arca de Deus. O Senhor chamou Samuel, e ele respondeu: «Aqui estou». E, correndo para junto de Heli, disse: «Aqui estou, porque me chamaste». Mas Heli respondeu: «Eu não te chamei; torna a deitar-te». E ele foi deitar-se. O Senhor voltou a chamar Samuel. Samuel levantou-se, foi ter com Heli e disse: «Aqui estou, porque me chamaste». Heli respondeu: «Não te chamei, meu filho; torna a deitar-te». Samuel ainda não conhecia o Senhor, porque, até então, nunca se lhe tinha manifestado a palavra do Senhor. O Senhor chamou Samuel pela terceira vez. Ele levantou-se, foi ter com Heli e disse: «Aqui estou, porque me chamaste». Então Heli compreendeu que era o Senhor  que chamava pelo jovem. Disse Heli a Samuel: «Vai deitar-te; e se te chamarem outra vez, responde: ‘Falai, Senhor, que o vosso servo escuta’». Samuel voltou para o seu lugar e deitou-se. O Senhor veio, aproximou-Se e chamou como das outras vezes: «Samuel, Samuel!». E Samuel respondeu: «Falai, Senhor, que o vosso servo escuta». Samuel foi crescendo; o Senhor estava com ele, e nenhuma das suas palavras deixou de cumprir-se.

A vocação de Samuel coloca-nos diante da voz de Deus que nos chama também a nós para uma missão. Aprender a distinguir a voz de Deus das outras vozes e da nossa vontade é fundamental para não nos enganarmos na missão. Como Samuel aprendamos a dizer “falai, Senhor, que o vosso servo escuta”.

Salmo responsorial Sl 39 (40), 2.4ab.7-8a.8b-9.10-11

O salmista apresenta-se diante do Senhor com toda a sua confiança, certo de que não são os sacrifícios nem os holocaustos que lhe agradam. Agrada ao Senhor um coração disposto a fazer a sua vontade e a proclamar a todos a fidelidade do Senhor.

LEITURA II 1Cor 6, 13c-15a.17-20

Irmãos: O corpo não é para a imoralidade, mas para o Senhor, e o Senhor é para o corpo. Deus, que ressuscitou o Senhor, também nos ressuscitará a nós pelo seu poder. Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo? Aquele que se une ao Senhor constitui com Ele um só Espírito. Fugi da imoralidade. Qualquer outro pecado que o homem cometa é exterior ao seu corpo; mas o que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo. Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós e vos foi dado por Deus? Não pertenceis a vós mesmos, porque fostes resgatados por grande preço: glorificai a Deus no vosso corpo.   

Influenciados por doutrinas e filosofias que circulavam em Corinto, os cristãos daquela cidade sentiam, por vezes, a tentação da libertinagem. Paulo recorda que o corpo merece respeito porque pertence ao Senhor, foi redimido no sangue de Cristo e está destinado à ressurreição.

EVANGELHO Jo 1, 35-42

Naquele tempo, estava João Batista com dois dos seus discípulos e, vendo Jesus que passava, disse: «Eis o Cordeiro de Deus». Os dois discípulos ouviram-no dizer aquelas palavras e seguiram Jesus. Entretanto, Jesus voltou-Se; e, ao ver que O seguiam, disse-lhes: «Que procurais?». Eles responderam: «Rabi – que quer dizer ‘Mestre’ – onde moras?». Disse-lhes Jesus: «Vinde ver». Eles foram ver onde morava e ficaram com Ele nesse dia. Era por volta das quatro horas da tarde. André, irmão de Simão Pedro, foi um dos que ouviram João e seguiram Jesus. Foi procurar primeiro seu irmão Simão e disse-lhe: «Encontrámos o Messias» – que quer dizer ‘Cristo’ –; e levou-o a Jesus. Fitando os olhos nele, Jesus disse-lhe: «Tu és Simão, filho de João. Chamar-te-ás Cefas» – que quer dizer ‘Pedro’.

A indicação de João Batista leva os discípulos a seguirem Jesus. No caminho são desafiados por Jesus a ir mais longe do que apenas ver onde ele mora. Descobrem quem ele é e apressam-se a ir dizer a outros “encontrámos o Messias”.

Reflexão da Palavra

O primeiro livro de Samuel, depois de relatar os factos que envolvem o seu nascimento, anuncia a ruína da casa do sacerdote Heli e a chegada de um novo sacerdote “suscitarei para mim um sacerdote fiel, que procederá segundo o meu coração e a minha vontade”. O capítulo terceiro de onde é tirado o texto da primeira leitura, trata da vocação de Samuel, o sacerdote anunciado pelo Senhor.

Samuel já foi consagrado ao serviço do Senhor, habita no templo, tem a função de vigilante e mantém acesa a lâmpada de Deus. No entanto, ainda não tinha sido alvo de um chamamento pessoal e ele “ainda não conhecia o Senhor, porque, até então, nunca se lhe tinha manifestado a palavra do Senhor”. Apesar de já ter perdido a confiança do Senhor, Heli orienta Samuel na escuta da sua voz, para que ele responda ao chamamento que lhe é feito por três vezes na mesma noite. Samuel serve-se das palavras que o velho sacerdote lhe ensina para responder ao chamamento do Senhor. Em conclusão, o versículo 19 revela a presença do Senhor junto de Samuel fazendo com que tudo se cumpra.

O salmo 39 apresenta uma oração dividida entre a ação de graças e a súplica. A confiança do salmista no Senhor tem como resultado ser atendido “esperei no Senhor… Ele atendeu-me”. Ele entende que não basta oferecer sacrifícios é necessário oferecer a vida àquele que “pôs em meus lábios um cântico novo, um hino de louvor ao nosso Deus”. Àquele que fez “maravilhas e desígnios em nosso favor” não se oferecem holocaustos, anuncia-se e proclama-se o que Ele fez por nós. Que fez o Senhor? “abristes-me os ouvidos” e “a tua lei está dentro do meu coração”. Perante isto, não é possível ficar indiferente, “eu disse: ‘aqui estou’”,anunciei”, “não fechei os lábios”, “não escondi”, “proclamei”. No final, vem a súplica que não faz parte do texto desta liturgia.

Na segunda carta aos coríntios Paulo fala da pertença a Cristo no sentido do que afirma em 3, 22-23 “tudo é vosso, mas vós sois de Cristo”. Portanto, “tudo me é permitido, mas nem tudo me convém”. Aquele que pertence a Cristo tem os limites que essa pertença impõe. Ora o corpo não é uma parte descartável de modo que se possa usar de qualquer maneira. O corpo faz parte da pessoa e é alvo da dignidade dessa pertença a Cristo. Mais, é templo do Espírito e está destinado à ressurreição. Desta forma, o que se faz com o corpo ou dignifica ou destrói. Cristo derramou o seu sangue também para salvar a totalidade da pessoa, também o corpo. Então o corpo é “para o Senhor e o Senhor é para o corpo”.

O primeiro capítulo do evangelho de João, após o prólogo e o testemunho de João Batista acerca de Jesus, apresenta uma sequência de dois dias que dão início à missão de Jesus, que João situa no “dia seguinte”, v. 29, 35, 43. No final destes dias surgem as bodas de Caná que o evangelista situa “ao terceiro dia”.

O texto 1, 35-42, que ocupa o evangelho deste domingo, gira à volta de palavras como “seguir”, “buscar”, “ir”, “ver” e “permanecer”.

No primeiro dia, João aponta para Jesus e adianta: “eis o Cordeiro de Deus”. João não é a luz, não é o Messias nem o profeta, mas aponta para aquele que é o “Cordeiro”, se quisermos, o Cordeiro, o Filho, o Servo e o Pão, tendo em conta o significado da palavra original.

Ao ouvirem João dois dos seus discípulos decidem seguir Jesus e fazem uma experiência que se percebe ter sido muito forte, mas que o evangelista relata com um diálogo de palavras curtas: “Que procurais?, onde moras?, “Vinde ver” e “ficaram com ele nesse dia”. Aqueles que iam só para lançar um olhar ficaram para sempre, permaneceram.

Só pode ter sido forte a experiência, na medida em que um deles, André, vai “procurar” o irmão e dá-lhe a conhecer a identidade de Jesus “encontrámos o Messias”. Confirma-se que o encontro foi mais do que um “ir ver” foi a descoberta de uma identidade. Aquele que João indicou é o Cordeiro, no sentido de que é o Messias. André e o companheiro não viram só onde morava, descobriram quem é aquele que os atraiu.

A última cena relata o encontro de Simão com Jesus. O evangelista tem a preocupação de indicar o olhar de Jesus sobre Simão: “fitou os olhos nele”. O encontro não termina, começa ali, porque ao sentir o olhar sobre ele, Simão vê-se totalmente outro pela ação de Jesus. Agora Simão é Pedra, do mesmo modo que Jesus é o Cristo.

Do outro discípulo não se sabe nada, apenas que seguiu Jesus e ficou com ele naquele dia. Pode ser João, o evangelista, que nunca diz o seu nome.

Meditação da Palavra

A liturgia da palavra do Segundo Domingo do Tempo Comum incide sobre a dinâmica da vocação como lugar onde Deus fala e o homem responde. Esta dinâmica implica alguns requisitos para que se cumpra plenamente o desígnio de Deus na vida do homem. Em primeiro lugar a necessidade de conhecer e distinguir a voz de Deus de muitas outras vozes que exigem ser escutadas. Por outro lado, a disponibilidade para responder positivamente a essa voz que fala mais ao coração do que à mente. Finalmente decidir-se a realizar o que a voz de Deus pede.

Percebe-se esta dinâmica na primeira leitura. Samuel escuta, mas não distingue a voz de Deus da voz do sacerdote Heli. Precisa de ser instruído pelo velho sacerdote na arte de escutar, distinguido quando é Deus a falar, quando é ele mesmo e quando são os outros. E necessita de aprender a responder “falai, Senhor, que o vosso servo escuta”, palavras que configuram simultaneamente a um sim como resposta e uma disponibilidade para cumprir.

O salmo responsorial insiste também neste ponto ao afirmar que, escutar e fazer a vontade de Deus, é mais importante que oferecer sacrifícios e holocaustos e, ainda, a disponibilidade do salmista ao responder “aqui estou”, com tudo o que isso implica de guardar no coração a lei do Senhor e anunciar a todos as maravilhas que o Senhor realizou em seu favor e a fidelidade e salvação manifestadas por Deus na sua vida em resposta à confiança com que ele esperou no Senhor.

Do mesmo modo, o evangelho ensina a atitude dos dois discípulos de João que, ao ouvirem o profeta dizer “eis o Cordeiro de Deus” se disponibilizam para seguir Jesus e, não sabendo onde ele mora, se decidem a ir ver quando desafiados por Jesus a segui-lo.

O chamamento acontece naquele curto diálogo onde se percebe que Jesus os desafia a estar com ele, a conhecê-lo, que é literalmente mais do que aquilo que eles, no início, pretendiam. Eles querem ver onde ele mora e Jesus quer que eles conheçam quem ele é, no mais íntimo, ali onde o coração se pode prender para toda a vida.

O desafio de Jesus encontra neles a disponibilidade e seguem-no de tal modo que permanecem com ele nesse dia e nunca mais esquecem a hora em que tudo aconteceu nem a experiência que viveram.

A experiência levou-os até à fé em Jesus, reconhecendo-o não apenas como homem, mas sobretudo como Messias e, assim, o apresentam aos outros.

O chamamento faz parte da vida do cristão. A todos Deus chama de muitos modos a entrarem na sua intimidade e a fazerem uma experiência pessoal que os leve até à fé. Como Samuel e os discípulos de João, todos precisam de alguém que seja o guia para o encontro com Deus. Fazer o discernimento da voz de Deus no meio do mundo e na vida agitada de cada um não é tarefa fácil. Todos, de algum modo precisam de palavras para iniciarem um processo de busca e de encontro para não se enganarem nem se perderem a meio do caminho.

Deus serve-se de muitos instrumentos para fazer chegar a sua voz ao coração dos homens. Para Samuel serviu-se do velho Heli, cansado, desgastado e desiludido. Para André e seu companheiro serviu-se de João, o profeta do deserto. Para Simão o chamamento chegou através do seu irmão André.

O chamamento de Deus é para todos mas é feito a cada um em particular. Para cada um Deus tem uma missão especial. Esta missão nunca é para benefício do próprio mas para despertar nos outros, em alguém, o desejo de Deus, para criar a oportunidade do encontro com Deus e o desejo de fazer a sua vontade.

Não basta ser chamado, é necessário dar uma resposta. Samuel respondeu “falai, Senhor, que o vosso servo escuta”, o salmista disse “aqui estou”, os dois discípulos “foram ver onde morava” e Simão aceitou ir com o irmão até Jesus.

Chamados para fazerem a vontade de Deus, já não se pertencem a si mesmos mas ao Senhor, recorda Paulo na segunda leitura. De Samuel diz-se que “o Senhor estava com ele”, dos discípulos que “permaneceram com ele”, de Simão que Jesus lhe mudou o nome.

Não nos pertencemos a nós mas ao Senhor” diz Paulo, a desafiar-nos a responder ao chamamento que nos foi feito no batismo e que é renovado diariamente de muitos modos, com um sim que nos una ao Senhor de tal modo que sejamos “com ele um só Espírito”.

Rezar a Palavra

Escolheste-nos, Senhor, no batismo e queres fazer de nós teus discípulos, identificados contigo pela fé e nós desejamos realizar em tudo a tua vontade. Está em nós o desejo de dizer “aqui estou”, “fala, Senhor, que o teu servo escuta” e de ficar contigo para sempre. Trazemos dentro a missão de falar de ti a todos, proclamar a tua fidelidade e anunciar a tua salvação. Mas sofremos muitas vezes a influência do mundo que diz que é melhor calar, viver só para nós, guardar a fé em silêncio. Faz-nos sentir que te pertencemos e dá-nos a alegria de abrir os lábios para dizer “encontrámos o Messias”.

Compromisso semanal

Proclamarei a alegria da tua salvação no meio da grande assembleia.