O Evangelho de S. João apresenta-nos o começo da vida pública de Jesus no contexto de umas bodas numa pequena povoação da Galileia. Ele não foi a Jerusalém para se dar a conhecer na capital, nem convocou as pessoas para um grande encontro no templo ou na sinagoga, mas foi participar numa festa familiar de casamento. É aqui que Jesus se manifesta: uma missão divina, de grande envergadura, inicia numa celebração humana comum, alegre e promissora. Vai ser esta a estratégia de Jesus: começa suavemente, não faz nenhuma revolução, mas vai dando um novo sentido e mudando as coisas.
A referência ao casamento e às bodas já era comum na Sagrada Escritura, sobretudo entre os profetas, que usavam a linguagem do casamento para traduzir as relações de Deus com o seu povo: Ele é o esposo que ama a sua esposa, o povo e a cidade de Jerusalém que, em muitos lugares é personificada como mulher e esposa. Na primeira leitura, o profeta Isaías recorda esta relação privilegiada que Deus quer manter com a cidade, apesar de se encontrar abandonada e destruída: “tal como o jovem desposa uma virgem, o teu Construtor te desposará; e como a esposa é a alegria do marido, tu serás a alegria do teu Deus”.
- Um casamento especial
– Jesus aceita o convite para participar num casamento numa pequena aldeia da montanha, próxima de Nazaré. O ambiente de qualquer boda é a alegria… Ora, em Caná da Galileia, Jesus entra em cena no contexto de uma festa de boda, em ambiente alegre… Pode dizer-se que “a vida pública de Jesus” começa com uma festa… Não começa com uma liturgia solene no templo de Jerusalém (o centro de toda a vida religiosa de Israel), com “uma conferência de imprensa” (como podia ser nos dias de hoje!), com uma convocatória a pessoas seleccionadas… Não: Jesus vai a um casamento para participar na festa com a mãe e os discípulos…
– Mas, neste casamento acontecem coisas estranhas: nem sabemos o nome dos noivos (o que seria importante para os convidados e para nós que escutamos a narração!), eles não falam nem intervêm… Falta uma coisa essencial, o vinho, e quem tem que se preocupar é a mãe de Jesus que O coloca no centro do relato…
– O texto diz, no fim, que foi em Caná da Galileia que Jesus deu início aos seus sinais precisamente porque, neste casamento, os protagonistas são diferentes do habitual…
– Este casamento é um sinal do casamento entre Jesus e a sua comunidade, representada pela mãe e os discípulos… O vinho bom é aquele que Jesus dá, o vinho da sua vida entregue por amor… Com Jesus realiza-se o matrimónio definitivo entre Deus e o seu povo…
- Casamento novo
– Ao longo da história de Israel, a imagem do casamento entre Deus e o seu povo manifestou os amores e os desamores, o entusiasmo e o cansaço, a fidelidade e as traições que pareciam acabar com a relação… Mas, Jesus vem garantir o restabelecimento desta união com um vinho novo, de qualidade muito superior ao que tinha sido servido até então…
– O vinho é o símbolo do amor e da alegria… Na casa havia seis talhas de pedra que eram usadas como reservatório para a água dos ritos de purificação dos judeus. Jesus transforma essa água, essa prática ritual judaica, num vinho melhor, do qual todos podem beber e partilhar num ambiente novo de festa…
– No contexto das bodas, Jesus mostra que a Lei judaica não é libertadora, não dá resposta às aspirações do homem… E por isso, Jesus celebra um novo casamento: Ele, o noivo, desposa a sua noiva, que é a comunidade de todos os que acreditam n’Ele… Este é que é o motivo da grande alegria já anunciado na primeira leitura de Isaías que anuncia um casamento diferente, com um nome novo e uma comunidade renovada…
- Entre os desposados está Maria
– Maria, chamada simplesmente ‘mulher’, representa também a comunidade dos crentes em Jesus… Mas ela vai ainda mais longe: é a mulher que está atenta, vigilante, que intervém porque conhece o seu filho…
– Ela pensa nos outros e quer colaborar. A sua preocupação contrapõe-se ao individualismo que caracteriza a nossa sociedade: é ela que adverte para os problemas que sente à sua volta… É uma mulher solícita e procura não humilhar ninguém…
– Como no Evangelho de Lucas ela aparece como quem sabe ver, interpretar (“fazei tudo o que Ele vos disser”)… E depois guarda no seu coração…
– A figura de Maria é insubstituível na nova comunidade: ela surge no início da manifestação de Jesus a tomar a iniciativa; e no final, na despedida de Jesus, será Ele próprio que nos confia a ela: “aí tens os teus filhos”, representados no discípulo ali presente…