O livro de Samuel (1ª leitura) diz, um pouco antes da leitura que foi proclamada, que “naquele tempo o Senhor falava raras vezes e as visões não eram frequentes” (1Sm 3,1). Também hoje, em contexto de pandemia, temos a sensação que o Senhor está em silêncio e não se manifesta.
Certo é que Ele chama… Só que, por vezes, como aconteceu com Samuel, não conseguimos identificar a sua voz e precisamos de mediadores autênticos e credíveis que permitam reconhecer os sinais, as circunstâncias e a voz. O reconhecimento de que Deus fala e se manifesta reveste três aspectos: o chamamento, a resposta e o encontro… Nas leituras de hoje estes elementos estão bem claros: Samuel, que ouve o Senhor no silêncio da noite; os dois discípulos de João que escutam o que ele diz quando Jesus vai a passar e o seguem; e todo o cristão que, pelo baptismo, se encontra com Cristo e se converte em templo do Espírito (2ª leit.).
Há perguntas fundamentais que podem mudar a vida das pessoas: “que procurais?” Estas são as primeiras palavras de Jesus no Evangelho de João. É uma pergunta que se pode fazer aos jovens à procura de um projecto de vida, ou aos adultos, emaranhados nas transformações que se estão a operar e perante as inquietações provocadas pelo flagelo que nos assola. O que é que eu procuro em todas as coisas que faço? Como crente em Jesus, o que é que eu espero e o que é que estou a fazer? O que é que, efectivamente, todos nós procuramos?
Precisamos de escutar, de ir ver, de compreender e conhecer para dar uma resposta e ir ao encontro.

  1. O chamamento/vocação

    – A nossa existência é fruto de um chamamento… No geral, quando somos chamados pelo nosso nome, ficamos contentes porque somos reconhecidos…
    – Em termos bíblicos e cristãos, este chamamento chama-se vocação… A iniciativa do chamamento é de Deus: aconteceu assim com Samuel, os outros profetas, alguns dirigentes do povo e os discípulos de Jesus. Deus estabelece uma relação pessoal porque chama pelo nome… E chama quem quer e como quer, independentemente das habilitações pessoais (são tantos os casos na Bíblia!…). “Chamou os que Ele quis” (Mc 3,13), “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi a vós” (Jo 15,16).
  2. A resposta

– A resposta traduz-se no seguimento, que não é, necessariamente, uma imitação pura e simples dos gestos e das atitudes dos outros… Cada um tem o seu percurso pessoal…
– Esta resposta não se dá quando está tudo resolvido mas, dá-se deixando sempre muitas questões em aberto, que se vão resolvendo com o tempo e o grau de adesão à pessoa e ao seu projecto…
– É impossível seguir sem uma relação pessoal e permanente…

  1. O encontro

– A vocação tem uma estrutura interpessoal e supõe sempre um encontro: falai, Senhor,… Vinde ver…
– No processo da vocação é importante a experiência pessoal de cada um… Não são as explicações ou os discursos que convencem, mas o contacto, a relação: “eles foram ver onde morava e ficaram com Ele…” “Encontrámos o Messias que quer dizer Cristo”: o encontro é decisivo e determinante…

  1. Missão

    – Este aspecto não está tão presente nos textos de hoje como noutros relatos de vocação narrados na Bíblia: “vai”, “diz”, “faz”…
    – No entanto, o envio está implícito na vocação… Onde há uma vocação existe uma missão porque o chamamento implica sempre um objectivo, a concretização de uma tarefa…
    – O chamado não fica a pensar na predilecção de Deus, a autocontemplar-se porque foi escolhido mas, tem de realizar o encargo que lhe é confiado… A vocação não é para a “realização pessoal”, mas para a realização de um projecto com a comunidade, para o compromisso histórico…
    – O que está em jogo é o povo de Deus, a Igreja e a humanidade… Não o próprio ou o “seu grupinho”… Toda a vocação é um serviço ao desígnio da salvação de Deus…

A pergunta do princípio é então para ser retomada e ampliada: o que é que procuramos? A quem seguimos? Como cultivamos a relação com Jesus Cristo? O que é que fazemos para a salvação do povo de Deus? …