Mistagogia da Palavra

Esta semana que passou, começou o Tempo Comum. São 33 ou 34 semanas no ciclo do ano, destinadas não a celebrar um aspecto particular do mistério de Cristo, mas o próprio mistério de Cristo na sua globalidade. E esta globalidade inclui também a Igreja, Corpo de Cristo.
Deus, no Seu amor pelos homens, foi-Se-lhes manifestando progressivamente, até atingir o seu ponto culminante em Jesus Cristo. Ele é a palavra definitiva, sempre actual, à qual devemos assentimento generoso e total. Não é simples adesão a uma doutrina, mas deve ser uma união vital com uma Pessoa – Jesus Cristo. 
Neste II Domingo do Tempo Comum, a 1ª leitura, do Profeta Isaías, diz-nos que o Povo de Deus, desterrado em Babilónia, não foi abandonado pelo Senhor, mas terá a salvação e a felicidade na nova situação que se aproxima. Para melhor definir o amor e a intimidade de Deus com o seu Povo, o profeta usa a imagem das núpcias, tão cara à Escritura: Deus o esposo e Jerusalém a esposa.
Na 2ª leitura, de S. Paulo aos Coríntios, é-nos dito que entre os dons com que Cristo enriquece a sua Igreja, uns são de ordem pessoal e outros são de função social, em ordem à edificação do Corpo Místico de Cristo.
O Evangelho, de S. João, narra-nos o milagre das Bodas de Caná. Mostra-nos como Jesus vem responder à esperança do mundo. Numa situação para a qual não havia saída humana, Ele surge como a salvação. Este milagre é a imagem da “hora” em que Jesus fizer as núpcias com a Igreja, na cruz, num e noutro caso com a presença discreta e subordinada de Maria.

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra

Vinde Espírito Santo encher as nossas talhas de pedra, grandes e vazias do Amor de Deus! 

Evangelho    Jo 2, 1-11
Naquele tempo, realizou-se um casamento em Caná da Galileia e estava lá a Mãe de Jesus. Jesus e os seus discípulos foram também convidados para o casamento. A certa altura faltou o vinho. Então a Mãe de Jesus disse-Lhe: «Não têm vinho». Jesus respondeu-Lhe: «Mulher, que temos nós com isso? Ainda não chegou a minha hora». Sua Mãe disse aos serventes: «Fazei tudo o que Ele vos disser». Havia ali seis talhas de pedra, destinadas à purificação dos judeus, levando cada uma de duas a três medidas. Disse-lhes Jesus: «Enchei essas talhas de água». Eles encheram-nas até acima. Depois disse-lhes: «Tirai agora e levai ao chefe de mesa». E eles levaram. Quando o chefe de mesa provou a água transformada em vinho, – ele não sabia de onde viera, pois só os serventes, que tinham tirado a água, sabiam – chamou o noivo e disse-lhe: «Toda a gente serve primeiro o vinho bom e, depois de os convidados terem bebido bem, serve o inferior. Mas tu guardaste o vinho bom até agora». Foi assim que, em Caná da Galileia, Jesus deu início aos seus milagres. Manifestou a sua glória e os discípulos acreditaram n’Ele.


Caros amigos e amigas, o relato das bodas de Caná convida-nos a redescobrir Deus, que se revela totalmente em Jesus Cristo. 

Interpelações da Palavra

 “Ao terceiro dia, realizou-se um casamento em Caná da Galileia…” 
Não é por acaso que São João apresenta só sete milagres/sinais de Jesus e que começa a narração desses sinais com a transformação da água em vinho. Todo o episódio evangélico das bodas de Caná está cheio de um profundo simbolismo que remete para a verdadeira identidade de Cristo. Comecemos por dizer que “ao terceiro dia” não é uma indicação temporal inocente, é sim uma referência ao ponto culminante da revelação de Jesus como Filho de Deus: a ressurreição. Também é denunciativo que o primeiro sinal da revelação do Messias aconteça num casamento: Deus vem ao mundo, à nossa própria vida como festa e não como sofrimento. Deus dá a vida e dá-se aos homens como bênção. As bodas de Caná são um convite a celebrar a vida e todas as alegrias que marcam a nossa existência. Mas mais do que isso, são um convite para celebrar um Deus que vem ao nosso encontro, mesmo quando lhe viramos as costas, porque O não compreendemos. Deus vem renovar a aliança com o Homem em tom de festa e não de castigo, como poderíamos imaginar, seguindo a nossa lógica mundana.

“Mulher, que temos nós com isso?” 
Eis que no decorrer da festa falta o vinho, Maria, como mulher atenta e contemplativa, dá-se conta e intercede para colmatar esta necessidade. Jesus, no que poderia ser interpretado como uma resposta ríspida e fria, identifica Maria com a esposa das bodas que se hão de realizar entre Deus e o Seu Povo. Não esqueçamos que em todo o Antigo Testamento o Povo de Deus é muitas vezes representado na figura de uma mulher que será desposada pelo Senhor. Este desejo de Deus de desposar o Seu Povo fica claro, por exemplo, na 1ª Leitura deste Domingo (Is. 62, 1-5), em que a mulher que será desposada é identificada como Jerusalém, que por sua vez representa todo o Povo de Deus. Maria é imagem do Resto do Povo de Deus, de que nos fala Isaías, que ainda espera a revelação última e definitiva de Deus. Este Povo que esperou e que reconhece em Jesus a revelação definitiva de Deus é o Povo que será desposado por Deus, é o Povo que é recebido com alegria e festa no Reino de Deus. Maria entendeu a resposta de Jesus e por isso diz logo aos servos: “Fazei tudo o que ele vos disser”.

“…ele não sabia de onde viera…”
Se Maria é imagem do Povo da esperança, as talhas são imagem daqueles que não soubemos esperar pacientemente a revelação de Deus, tal como os judeus que se tinham afastado do verdadeiro espírito da Aliança de Deus com o Seu Povo. No entanto, Jesus veio para todos. Ele veio para encher os nossos corações vazios e de pedra com novas esperanças, que serão transformadas no mais puro Amor: o Vinho Novo da Nova Aliança. Quando Jesus nos transformar saberemos responder a Pilatos: “de onde és Tu?” (Jo 19, 9). 

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

 Maria pede-nos que façamos tudo o que Ele nos disser. Assim, quando perdermos a esperança, quando nos sentirmos fatigados e sem vida, escutemos, mais uma vez, aquilo que Cristo nos diz nos Evangelhos e deixemos que Ele volte a encher o nosso coração de Esperança e Amor. 

Viver a Palavra
Esta semana vou procurar estar atento à vontade de Jesus, para poder fazer tudo quanto me peça. Esperando pacientemente que Ele encha o meu coração do verdadeiro Amor, que é Deus.