Houve o monte da tentação (Domingo passado) mas há também o monte como lugar de oração e de transformação. O monte é o lugar de onde o horizonte é muito mais vasto e onde podemos contemplar o céu e contar as estrelas (Abraão). É o lugar ideal para sair do nível do nosso quotidiano e fazer a experiência do transcendente.
A nossa vida, como a de Abraão ou a dos apóstolos, é marcada pela monotonia e pelo cansaço, pelo sofrimento, pelas doenças, pela guerra e pelas injustiças,… Por tantas situações para as quais não vemos uma saída imediata… Queríamos ver mudanças, nem que fosse só a luz ao fundo do túnel para experimentarmos esse pouco de luz, de claridade que nos leve a acreditar numa vida mais radiante. Mas, quando nos parece que estamos a sair de uma dificuldade, deparamos logo com outra, talvez ainda mais aterradora do que aquela que pensamos estar a ficar para trás…
- Experimentar Deus
– Estas podem ser as situações em que Jesus nos convida a subir ao monte, não para assistir a um espectáculo, para nos brindar com uma surpresa, mas “para orar”… Jesus não convidou Pedro, João e Tiago para lhes apresentar um número novo, mas para rezar… E é nestas circunstâncias que se experimenta uma situação nova, em que se sai da rotina maçadora das coisas repetidas, tantas vezes sem sentido…
– Só no silêncio e na oração é possível apreciar o dom precioso da companhia do Senhor vivo e ressuscitado… É isto que significa o episódio da transfiguração: em contexto de oração, liberto dos laços das coisas que se fazem automaticamente e nas quais nos enredamos. Deus manifesta-se não só para consolar e adormecer (Pedro e os companheiros ficaram a cair de sono!…) mas para sair da vulgaridade do dia-a-dia e descobrir um sentido para o sofrimento e para a morte…
– Cada um de nós é capaz de reconhecer que já tomou decisões acertadas na vida depois destes momentos de ponderação e de silêncio com Deus… São essas as “nossas transfigurações”, os momentos felizes de encontro, de paz e serenidade no meio das turbulências da vida…
– A grande certeza é esta: Deus está presente em Cristo; acompanha-nos, acolhe-nos, dá-nos esperança… Antes de nós manifestarmos o desejo de montarmos as tendas no monte, junto d’Ele, já Ele a tinha montado entre nós quando veio ao nosso encontro na nossa condição humana…
- Deus desce à terra
– Antes de tudo, é Jesus que desce à terra, que habita connosco… Podemos procurar o contacto com Deus, mas é sempre Ele que primeiro vem ter connosco. Pode olhar-se para o alto mas, é o Senhor que desce à terra…
– Assim aconteceu com Abraão: o homem pode preparar tudo para o sacrifício (culto) mas, no momento decisivo, apodera-se dele um sono profundo e é o Senhor que ateia o fogo para consumir o que o homem queria oferecer. É o Senhor que toma a iniciativa e se compromete com Abraão…
– O mesmo acontece no Evangelho: é Jesus que leva Pedro, João e Tiago ao monte, que se manifesta diante deles… O Senhor Deus manifesta-se, desce para estar próximo dos homens, para que os homens O conheçam…
– A Quaresma deste ano é marcada por guerras cruéis, migrações forçadas, incertezas entre os povos ditos desenvolvidos… O cenário é parecido ao do Evangelho: Jesus acabara de anunciar a sua morte e a seguir convida os discípulos para orar e fazer uma experiência diferente: de ressurreição e de glória…
- Glória depois da morte
– Jesus parece querer mostrar aos seus discípulos o seguinte: não vos iludais com o que pode constituir sucesso ou insucesso na vida! Há morte, vou ser condenado, não por uma qualquer fatalidade, mas porque quero estar com os homens em todas as circunstâncias, incluindo a mais difícil de suportar que é a morte… Mas não é o fim: há vida para além da morte… Aquilo que vos parece um fracasso é a vida verdadeira, ressuscitada, o projecto de Deus que nunca se esgota, que nunca morrerá…
– Aquele que acabou de anunciar a sua morte é o Filho de Deus. A sua identidade ainda está oculta, mas o Eleito é Ele… É Deus connosco: revela-nos quem é Deus fazendo o caminho dos homens com verdade e autenticidade, sem enganos nem ilusões…
– Jesus mostra que “é preciso perder para depois se ganhar”… Imediatamente antes, Jesus diz aos discípulos: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida há-de perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, há-de salvá-la” (Lc 9,23-24).
– A voz que sai da nuvem dá alento a Jesus e aos discípulos para enfrentar a rejeição e as dificuldades: na morte já há nova vida… É como “o grão de trigo, que tem de morrer para dar fruto” (Jo 12,24)…