A fé não necessita de provas mas, em todo o caso, talvez nós precisemos de uma confirmação, de um PCR ou qualquer coisa do género para que certifique aquilo de que já havia vários sinais. Sempre nos acompanham dúvidas, incertezas, momentos difíceis na nossa vida, fracassos que nos fazem desabafar como Tomé: “se não colocar as minhas mãos no lugar dos cravos, não acreditarei”. E depois vem a resposta: “A paz esteja convosco”, aproxima-te, aqui tens as minhas mãos e o meu lado…” Mãos de misericórdia, o lado de onde brotou o Espírito e a vida…
Ao longo destes Domingos do tempo Pascal vão desfilando diante de nós diversos personagens a quem poderíamos chamar “figuras ou testemunhas da ressurreição de Jesus”: no Domingo da Páscoa apareceu-nos Madalena, hoje é Tomé; e no próximo Domingo será todo o grupo dos discípulos.
Este segundo Domingo da Páscoa é também o Domingo da Divina Misericórdia A misericórdia é um dom da ressurreição como ouvimos no Evangelho: “recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados…” A misericórdia é fruto da fé na ressurreição: se eu acredito, aceito e assumo o compromisso que deriva da fé. O facto de acreditar supõe todo o dinamismo da mudança: o que tem fé obriga-se a fazer diferente e a envolver toda a sua vida no acto de crer.

  1. As razões de Tomé

– A nossa cultura é predominantemente científica e técnica. No campo científico domina a chamada racionalidade baseada na verificação empírica: o conhecimento vale, não tanto pelos argumentos racionais e pela autoridade de quem o transmite, mas sobretudo pela capacidade de explicar com os factos aquilo em que se acredita… Daí que, com frequência, se ouça dizer: “eu só acredito naquilo que posso tocar (experimentar, provar pela experiência) …” Mais ou menos como Tomé: “Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, não acreditarei…”
– Tais argumentos são importantes e há que reconhecer que são decisivos no âmbito de determinadas ciências. Mas, esta mesma orientação nada diz sobre as questões relacionadas com o sentido da vida ou sobre Deus… Este âmbito é diferente do chamado positivismo…
– Até certo ponto, Tomé é um exemplo dos que pretendem obter o conhecimento apenas através dos métodos científicos considerados válidos. Segundo ele não nos podemos contentar, sem mais, com as opiniões e as notícias transmitidas pelos outros… É preciso documentar-nos… Portanto, a sua postura até pode ser considerada legitima…
– No entanto, Deus não é objecto de conhecimento e investigação por esta via; não é uma pedra ou uma planta da qual nos aproximamos para “ver” e “tocar”… A experiência de Deus é de outra ordem… E os lugares desta experiência também são diferentes: a intimidade pessoal, a oração, o silêncio, a participação na vida da comunidade…

  1. Caminhar juntos

– Estamos em plena primeira fase dos trabalhos do próximo sínodo dos Bispo em 2023 precisamente sobre a sinodalidade, a comunhão, a participação e a missão de todos na Igreja… Queremos caminhar juntos e colaborar neste processo com abertura e franqueza para que os problemas da Igreja sejam encarados com a participação de todos…
– O que aconteceu com Tomé é um belíssimo exemplo de como se deve estar em comunidade e caminhar juntos. Sozinho e fora do grupo, Tomé não pode fazer a experiência da ressurreição, tem dificuldade em acreditar, e só quando se junta com os outros, precisamente no primeiro dia da semana, no Domingo, é que faz a experiência da fé… Só o encontro com os outros, no diálogo e na celebração é que o leva a fazer uma das mais belas profissões de fé: “Meu Senhor e meu Deus”…
– Somos todos companheiros no mesmo caminho… Queremos desenvolver cada vez mais a cultura do encontro porque isolados, caminhando cada um por si só, ninguém chega a lado nenhum…
– Estar em comunhão com os outros traz-nos a paz, abre o coração e tira-nos do isolamento em que, como Tomé, tantas vezes nos encontramos…
– Este relato traça-nos também o desenho das primeiras Eucaristias celebradas pela comunidade dos discípulos de Jesus, no primeiro dia da semana, ao anoitecer, para partilhar a mesa e fazer memória do Ressuscitado… A comunidade constitui-se nestes momentos, à volta de Jesus crucificado e ressuscitado, na fé que anima a vida e gera confiança…
– É quando os discípulos estão reunidos que Jesus dá o Espírito da reconciliação e do perdão. O dom do Espírito Santo, Aquele que dá força e coragem para acreditar e testemunhar Jesus, é fruto da ressurreição… É o Espírito que abre as portas, faz ultrapassar os medos e conduz para a missão… É importante ter isto bem presente nesta fase de preparação do Sínodo em que somos chamados a participar…