Mistagogia da Palavra

O tempo do Advento tem dupla característica: é tempo de preparação para a solenidade do Natal, em que se comemora a primeira vinda do Filho de Deus aos homens; simultaneamente é tempo em que, comemorando esta primeira vinda, o nosso espírito se dirige para a expectativa da segunda vinda de Cristo no fim dos tempos. Por estes dois motivos, o Advento apresenta-se-nos como um tempo de piedosa e alegre expectativa.
Podemos resumir a liturgia deste domingo nesta frase: “Esperança vigilante do Senhor”. O Senhor já veio, após longo período de preparação. Com o seu nascimento é comunicada à humanidade uma vida nova, que cresce no coração dos cristãos, se manifesta na caridade e atingirá a sua plenitude no fim dos tempos.
A primeira leitura diz-nos que, não podendo o homem salvar-se a si próprio, responde Deus com a promessa de enviar o Messias, promessa feita a David e referida pelo Profeta Jeremias.
Na segunda, visto que a vida cristã é essencialmente progresso, S. Paulo exorta os cristãos a crescerem nas virtudes teologais, fundamento de toda a vida sobrenatural.
O Evangelho lembra-nos a segunda vinda do Senhor. A primeira, realizada na pobreza, na humildade e na alegria de Belém, introduziu-nos nos tempos messiânicos, que terminarão com a vinda gloriosa do mesmo Senhor.
O cristão consciente vive na expectativa do dia do Senhor, penetrando a sua vida de esperança e buscando na oração a força para trabalha na preparação do Reino, tornando melhor este mundo em que vivemos.

A Palavra do Evangelho

Diante da Palavra

Vem, Espírito Santo, vem libertar-nos do cepticismo que nos estrangula a criatividade, vem abrir-nos o coração à fé! 

Evangelho    Lc 21, 25-28.34-36
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas e, na terra, angústia entre as nações, aterradas com o rugido e a agitação do mar. Os homens morrerão de pavor, na expectativa do que vai suceder ao universo, pois as forças celestes serão abaladas. Então, hão-de ver o Filho do homem vir numa nuvem, com grande poder e glória. Quando estas coisas começarem a acontecer, erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima. Tende cuidado convosco, não suceda que os vossos corações se tornem pesados pela intemperança, a embriaguez e as preocupações da vida, e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha, pois ele atingirá todos os que habitam a face da terra. Portanto, vigiai e orai em todo o tempo, para que possais livrar-vos de tudo o que vai acontecer e comparecer diante do Filho do homem».

Caros amigos e amigas, tantas vezes já soubemos de datas a marcar o fim do mundo! Talvez porque o ser humano não suporta as rédeas da rotina. Ora Deus é o sempre novo, o único que pode e quer fazer em nós, e por nós, coisas novas.

Interpelações da Palavra

Sinais no sol, na lua e nas estrelas
Este texto não é um manual de procedimentos perante catástrofes eminentes, nem um tratado científico sobre a finitude das forças cósmicas. É antes poema de amor de um Deus que semeia sinais de Si mesmo em todas as esquinas, que Se declara nas fontes de luz, que dança no firmamento e que nos convida a comparecer à sua presença, indicando-nos a segurança do caminho. Mas parece que o Senhor nem sempre tem hipótese de comunicar connosco! Andamos tão distraídos que nem ligamos aos sinais subtis que se derramam nos detalhes da trivialidade. Depois vêm alguns sinais mais “sonoros” e esses dão-nos medo. Geralmente, tudo o que sai do comum vem destabilizar. O ser humano “morre” de susto perante os “abalos” daquilo em que punha a sua segurança, daquilo que parecia estável. Quantas vezes nos atrofia o receio, quantas vezes o medo nos subjuga, quantas vezes a constatação da realidade nos paralisa e até as previsões do que ainda não aconteceu nos fazem sucumbir! Mas o Senhor não quer que os seus discípulos sejam medrosos. Ele convida-nos a acolher os sinais, como leitores vigilantes…

Erguei-vos e levantai a cabeça
Não podemos continuar a pasmar, leais à ditadura de tantas constatações, refugiados no túmulo do pessimismo. Os leitores dos sinais de Deus são como terra que se deixa arar e semear por um presente recheado de possibilidades, são visionários de uma história fecundada pelo amor de Deus. Ele vem, porque já está. O título de Filho do homem proclama a sua admirável consanguinidade connosco, a sua solícita presença… a partilha de um poder e de uma glória só entendidas por uma vigilância promovida pelo amor. Erguer-se e levantar a cabeça é atitude viva dos que não sucumbem ao susto. O ícone do Filho do homem é um sol que ilumina todas as realidades da vida, é a fonte de luz que não falha, é o sinal que nos sustém a esperança, que nos alimenta o sentido da caminhada. Jesus é o Deus-connosco, Aquele que recapitula em si o sonho de transpormos os nossos limites, é Aquele que poder para libertar a luz que dorme no resguardo do nosso medo.

Vigiai e orai em todo o tempo
O requisito mais eficaz para a vigilância é o amor. O vigilante nunca pode morrer de susto, pois aprende a ler os sinais. O vigilante não se torna pesado, subjugado pela realidade, atado pelas expectativas, mas é capaz de elevar as expectativas até à leveza da Esperança, pois vive com sentido… o vigilante tem os olhos abertos ao bem absoluto e, na massa da história, onde a dor e a fealdade se insinuam, ele distingue o que é decisivo, descortina o filão da Beleza e segue-a, desde a fonte até ao mar, ainda que na sua carne doam as feridas de um mundo corruptível.
A última frase do texto revela-nos a divina “astúcia” do Senhor que, decisivamente, o que pretende é preparar-nos e convidar-nos a “aparecer” diante d’Ele! Com que enlevo Ele deseja o nosso advento aos seus olhos, Ele prepara ardentemente o encontro! Amigos e amigas, vigiar a aparição do Senhor à nossa vida não é senão preparar a nossa aparição aos olhos d’Aquele que mais nos ama. E não é para amanhã. O fim do mundo não é amanhã; o que vigio é o constante hoje, o advento de Cristo para ser acolhido na minha vida. E isto é Evangelho!

Rezar a Palavra e contemplar o Mistério

Senhor, acaba com este mundo em que a indiferença me tolda a visão, em que a rotina me ata,
cria de novo os meus membros para que possam ser instrumentos generosos do teu Reino!
Livra-me deste mundo em que consinto no egoísmo, em que olho tudo interesseiramente,
cria em mim um coração que possa arder com a dor alheia e colocar amor onde a vida escasseia.
Livra-me deste mundo que reinam as aparências, a violência, de gestos ocos e palavras vazias…
cria em mim olhos novos capazes de vislumbrar e até engendrar madrugadas, e dias de paz.

Viver a Palavra 

Cada dia, ao acordar, vou saudar a luz que me visita como uma oportunidade para amar.