Que o meu olhar não se perca

Os nossos olhos dirigem-se para aquele que o nosso coração espera. Quanto maior o desejo do encontro tanto mais inquieto e atento estará o coração. Quanto maior o amor por aquele que se espera tanto mais ansiosos vivemos.

Com o novo ano litúrgico iniciamos também o tempo de Advento que convida a ativar em nós o dinamismo da espera. Existe em mim a dinâmica da espera? Por quem espero eu? O que significa em mim esperar? Como se revela essa espera? Quais os seus sinais?

Leitura I Is 2, 1-5

Visão de Isaías, filho de Amós, acerca de Judá e de Jerusalém: Sucederá, nos dias que hão de vir, que o monte do templo do Senhor se há de erguer no cimo das montanhas e se elevará no alto das colinas. Ali afluirão todas as nações e muitos povos acorrerão, dizendo: «Vinde, subamos ao monte do Senhor, ao templo do Deus de Jacob. Ele nos ensinará os seus caminhos e nós andaremos pelas suas veredas. De Sião há de vir a lei e de Jerusalém a palavra do Senhor». Ele será juiz no meio das nações e árbitro de povos sem número. Converterão as espadas em relhas de arado e as lanças em foices. Não levantará a espada nação contra nação, nem mais se hão de preparar para a guerra. Vinde, ó casa de Jacob, caminhemos à luz do Senhor.

Isaías convida a esperar “o dia” em que todas as nações poderão contemplar o monte do Senhor e dirigir-se para ele aos gritos: “«Vinde, subamos ao monte do Senhor, ao templo do Deus de Jacob”. Nesse dia todos reconhecerão o Senhor, seguirão pelos seus caminhos, viverão a sua justiça e transformarão “as espadas em relhas de arado e as lanças em foices” e caminharão “à luz do Senhor”.

Salmo Responsorial 121 (122), 1-2.4-5.6-7.8-9

A subida ao monte do Senhor faz-se na alegria, como diz o salmo: “Alegrei-me quando me disseram: «Vamos para a casa do Senhor”.

LEITURA II Rm 13, 11-14

Irmãos: Vós sabeis em que tempo estamos: Chegou a hora de nos levantarmos do sono, porque a salvação está agora mais perto de nós do que quando abraçámos a fé. A noite vai adiantada e o dia está próximo. Abandonemos as obras das trevas e revistamo-nos das armas da luz. Andemos dignamente, como em pleno dia, evitando comezainas e excessos de bebida, as devassidões e libertinagens, as discórdias e ciúmes; não vos preocupeis com a natureza carnal, para satisfazer os seus apetites, mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo.

Se para Isaías “o dia” vem longe e a espera é longa, para Paulo já se faz tarde e não podemos continuar a dormir como se o Senhor não viesse. Paulo insiste com os cristãos de Roma: “chegou a hora de nos levantarmos do sono, porque a salvação está agora mais perto de nós do que no momento em que abraçámos a fé”. Como profetiza Isaías, também Paulo entende que é hora de mudar “as armas das trevas” em “armas da luz”. É urgente estarmos atentos e ver os sinais dessa urgência para não nos perdermos em “comezainas e excessos de bebida, as devassidões e libertinagens, as discórdias e ciúmes”. O “dia do Senhor” é ‘hoje’, por isso, “revesti-vos do Senhor Jesus Cristo”.

EVANGELHO Mt 24, 37-44

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Como aconteceu nos dias de Noé, assim sucederá na vinda do Filho do homem. Nos dias que precederam o dilúvio, comiam e bebiam, casavam e davam em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca; e não deram por nada, até que veio o dilúvio, que a todos levou. Assim será também na vinda do Filho do homem. Então, de dois que estiverem no campo, um será tomado e outro deixado; de duas mulheres que estiverem a moer com a mó, uma será tomada e outra deixada. Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. Compreendei isto: se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a sua casa. Por isso, estai vós também preparados, porque na hora em que menos pensais, virá o Filho do homem.

Jesus recorda aos discípulos o que aconteceu com as pessoas do tempo de Noé, “não deram por nada”. Aquelas pessoas viviam absorvidas pelo dia a dia “comiam e bebiam, casavam e davam em casamento”, anestesiados com as ilusões de um presente que não se acaba. Estranho, para eles, era Noé que sonhava como um louco. Jesus diz que vai acontecer o mesmo “no dia do Filho do Homem”. Aparentemente são todos iguais, estão lado a lado a trabalhar no campo e lado a lado a moer o trigo, mas não terão a mesma sorte. Só aparentemente são iguais, porque, enquanto um espera, o outro não, enquanto uma vigia, a outra está distraída. Jesus conclui, “portanto, vigiai”, “estai atentos” e “compreendei”.

Reflexão da Palavra

A reflexão de Jesus com os discípulos, que o evangelho oferece, tem na base os capítulos 6 e 7 do livro de Génesis que contam a história de Noé. A preocupação de Jesus não é analisar o comportamento moral daquela geração. Jesus alerta para o perigo frequente, evidente e dramático, da cegueira pela indiferença, pelo adormecimento do coração e da mente, pela anestesia ou embriaguez, pela alienação da realidade. As palavras de Jesus, que definem a situação da geração de Noé, “não deram por nada”, são dramáticas e revelam a profundidade do sono em que aquela geração se deixou adormecer.

O alerta de Jesus é para os seus discípulos. Também eles podem deixar-se adormecer e o “dia do Filho do Homem” chega, e eles “não dão por nada”. Para que isso não aconteça, Jesus, apresenta aos discípulos o exemplo de Noé que, apesar de ser considerado louco aos olhos de todos, soube ler os sinais dos tempos, discernir sobre o fim dramático que espera aqueles que se tornam inconscientes, cegos e irresponsáveis.

Deixar de esperar é iniciar um caminho, definido por Paulo como um caminho em que dominam “os apetites da carne”, as “comezainas e excessos de bebida, as devassidões e libertinagens, as discórdias e ciúmes”.

Perante este perigo Jesus insiste com os discípulos a “vigiar”. “vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor”. E a “compreender”, discernir, antecipadamente, para não deixar arrombar a casa, como acontece aos inconscientes.

Vigia aquele que tem o coração apaixonado, como Isaías. Apaixonado por Jerusalém, pelo templo do Senhor, pelo Senhor do Templo. Isaías vê para lá dos montes, para lá da história, para lá dos dias e dos acontecimentos do momento presente. Que vê Isaías? Vê o “Dia do Filho do Homem”. Vê Jesus a despertar os seus discípulos do sono, porque “a noite vai adiantada e o dia está próximo”. Na verdade, o dia já chegou, é ele mesmo, Jesus, o dia sem ocaso. Ele é a própria salvação que “está agora mais perto de nós” e se torna cada vez mais próxima à medida que “subimos ao monte do Senhor”, para irmos “ao templo do Deus de Jacob”, na medida em que nos aproximamos da “casa do Senhor”, meta das nossas vidas.

Meditação da Palavra

Esperar, na sociedade em que vivemos, é estar sentado e deixar o tempo passar até que as coisas aconteçam em “pronto a usar”, “pronto a comer”, “pronto a desfrutar”. Na experiência cristã, esperar, é caminhar sempre, sem desanimar, com os olhos postos naquele que o coração ama.

Vigiar, para os nossos contemporâneos é um sistema de alarme que se paga para que alguém cuide do que é nosso. Na experiência cristã, vigiar, é estar acordado, atento, consciente, alerta sobre a própria vida. É procurar compreender os sinais da vida e do tempo que passa.

A Palavra deste domingo deixa bem claro que, vigiar, é não deixar que a vida nos afogue, que os trabalhos, as preocupações e as riquezas deste mundo não toldem o nosso entendimento fazendo-nos crer que a salvação não existe ou, que ela se encontra na posse de bens terrenos e na satisfação dos apetites da carne.

O segredo de uma vida vigilante, que não permite a surpresa inesperada do dilúvio nem a chegada inoportuna do ladrão, está na certeza de que o Senhor vem como “juiz no meio das nações e árbitro de povos sem número”, que “a salvação está mais perto de nós do que momento em que abraçámos a fé” e o “dia do Filho do Homem” é hoje, este ‘hoje’ continuado da nossa fé.

A certeza da vinda do Senhor projeta sobre nós uma luz para vermos, sem ver, esse dia sem ocaso e vivermos antecipadamente a alegria da sua chegada, porque, apesar de os olhos não verem, o coração já experimenta a certeza da sua realização.

Oração

Que o meu olhar não se perca no horizonte das coisas dos homens e se fixe naquele que o meu coração ama. Que o desejo do encontro contigo, meu Senhor e meu Deus, não se esgote na fugaz experiência de sensações humanas. Que o amor não seja apenas um sentimento, mas uma decisão que me faz esperar por ti a vida toda.

Desafio para a semana

Vigio sobre a minha vida descobrindo em mim as obras das trevas e reconhecendo as obras da luz para ir ao encontro de Cristo, que está agora mais perto de mim do que no momento em que abracei a fé.