Mistagogia da Palavra
Na Semana Santa, a Igreja celebra os mistérios da salvação, levados a cumprimento por Cristo nos últimos dias da sua vida, a começar pela sua entrada messiânica em Jerusalém. O tempo quaresmal continua até Quinta-Feira Santa. A partir da Missa vespertina da Ceia do Senhor, começa o Tríduo pascal, que abrange a Sexta-Feira da Paixão do Senhor e o Sábado Santo, tem o seu centro na Vigília pascal e conclui-se com as Vésperas do Domingo da Ressurreição.
A semana santa tem início no “Domingo de Ramos na Paixão do Senhor”, que une num todo o triunfo real de Cristo e o anúncio da Paixão. Na celebração e na catequese deste dia, deve salientar-se o duplo aspecto do mistério pascal. A comemoração da entrada do Senhor faz-se, desde a antiguidade, pela procissão solene, com a qual os cristãos celebram este acontecimento, imitando as aclamações e os gestos das crianças hebraicas, que foram ao encontro do Senhor com o canto do “Hossana”. Os fiéis participam nesta procissão levando ramos de oliveira e de outras árvores. A bênção dos ramos é feita para os levar na procissão. Conservados em casa, os ramos recordam aos fiéis a vitória de Cristo celebrada com a mesma procissão.
Na bênção dos ramos é lido o Evangelho segundo S. Marcos. Jesus sobe a Jerusalém para Se submeter à morte. Por isso, entra na Cidade Santa à maneira de Messias e Rei, como os Profetas haviam anunciado. É, porém, o triunfo modesto e humilde de um Rei, que vem, não para dominar, mas para servir e dar a vida em resgate pela humanidade. Um triunfo que é prelúdio de martírio.
A 1ª leitura da Missa é do Livro do profeta Isaías. O “Servo de Deus” é Jesus Cristo, que Se oferece como vítima pelos homens, seus irmãos. Entregando-Se confiadamente à vontade do Pai, não hesita em cumprir a sua missão, que O levará à morte. Na sua humilhação, Deus far-Lhe-á conhecer a exaltação.
A 2ª leitura é de S. Paulo aos Filipenses. Para resgatar a humanidade da desobediência de Adão, Jesus, depois de Se ter despojado das suas prerrogativas divinas pela Encarnação, sempre em filial obediência ao Pai, submete-Se a todas as contingências da sua condição humana. A sua humilhação vai até à Cruz. No aniquilamento da morte começa, porém, a sua elevação à glória.
A 3ª leitura, o Evangelho, é a narração da Paixão segundo S. Marcos. O Evangelho de S. Marcos é o mais antigo, porque escrito antes dos outros, e é também o mais breve, não só na história da Paixão como em todo ele. Este evangelista aponta com bastante realismo alguns episódios fruto de especial observação de situações particulares e até pitorescas, como a que envolve o servo do sumo sacerdote aquando da prisão de Jesus.
A Palavra do Evangelho
Diante da Palavra
Vem, Espírito Santo, introduz no meu coração um pouco daquele amor que levou o Filho de Deus a entregar-se por mim!
Evangelho segundo S. Marcos 14, 1-15,47
Enquanto estavam à mesa e comiam, Jesus disse: «Em verdade vos digo: Um de vós, que está comigo à mesa, há-de entregar-Me». (…) Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, recitou a bênção e partiu-o, deu-o aos discípulos e disse: «Tomai: isto é o meu Corpo». (…) «Abá, Pai, tudo Te é possível: afasta de Mim este cálice. Contudo, não se faça o que Eu quero, mas o que Tu queres». (…) Os príncipes dos sacerdotes (…) depois de terem manietado Jesus, foram entregá-l’O a Pilatos. (…) Pela festa da Páscoa, Pilatos costumava soltar-lhes um preso à sua escolha (…), querendo contentar a multidão, soltou-lhes Barrabás e, depois de ter mandado açoitar Jesus, entregou-O para ser crucificado. (…) Eram nove horas da manhã quando O crucificaram. O letreiro que indicava a causa da condenação tinha escrito: «Rei dos Judeus». (…) Os que passavam insultavam-n’O e abanavam a cabeça, dizendo: «Tu que destruías o templo e o reedificavas em três dias, salva-Te a Ti mesmo e desce da cruz». (…) E às três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte: «Eloí, Eloí, lemá sabactáni?». que quer dizer: «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?». (…) Então Jesus, soltando um grande brado, expirou. O véu do templo rasgou-se em duas partes de alto a baixo. O centurião que estava em frente de Jesus, ao vê-l’O expirar daquela maneira, exclamou: «Na verdade, este homem era Filho de Deus».
Caros amigos e amigas, a narração da paixão não precisa de comentários, deve ser apenas contemplada, rezada e vivida. Trata-se da paixão de Deus disposto a amar o homem até ao fim, custe o que custar, até dar a própria vida. Não se pode penetrar no mistério da cruz se não se encontrar ali o mistério do amor de Deus.
Interpelações da Palavra
Aclamar, bendizer,… silenciar
Ramos de oliveira e de palmeira são agitados em hossanas diante do Nazareno montado num jumento. A multidão canta entusiasmada estendendo as capas à sua passagem. Mas depressa o júbilo dá lugar ao silêncio, à solidão, ao escândalo da paixão, à dureza da cruz, ao desconcerto da derrota. Diante da nudez divina crucificada, o homem apenas pode o silêncio. Diante da folia do amor a criatura apenas pode contemplar. Diante da entrega até ao fim o homem apenas pode render-se.
Estar aos pés da cruz
O calvário é a expressão extrema da entrega que, durante toda a vida, Jesus foi fazendo se si próprio, vibrando e amando, chorando e comovendo-se diante das cruzes da gente, não ficando indiferente a ninguém.
Poucos permanecem junto da cruz: Pedro nega-se, Judas vende-se, os sacerdotes testemunham falso, Pilatos lava-se as mãos, a multidão cospe violência… Ainda hoje não atrai seguir Jesus na via sacra! Sacra porque de amor e não de dor! Sacra porque na cruz Deus fica prisioneiro do amor! No entanto, ali pregado Ele está de braços eternamente abertos, mostrando que a vida se multiplica sempre que se entrega gratuitamente; e revelando que a verdadeira morte é a esterilidade de quem não se dá e conserva egoisticamente.
O amor até à morte é semente de ressurreição
No fim, é um ladrão o primeiro a entrar no paraíso. É depois um centurião, alguém habituado à violência e à morte, a reconhecer o Filho de Deus! São os da periferia da existência os primeiros a entrever no rosto do Crucificado a beleza do rosto do Pai! “Vacilaram os que tinham visto Cristo ressuscitar os mortos; acreditaram aqueles que o viram pender da cruz” (S. Agostinho)!
Só quem conhece o amor e a ternura, o afecto e a admiração, o choro e o desespero, a dor e a impotência, se aproxima da cruz! São principalmente mulheres que permanecem no calvário! Talvez porque sabem o quanto é silenciosa e discreta a germinação da vida no seio, o quanto custa fazer nascer a vida! Talvez saibam, por experiência, que o amor é mais forte do que tudo, até da morte! Sabem que o amor nunca se rende, acredita até ao fim e antecipa no momento mais difícil a eternidade. As mulheres não se rendem à evidência dos factos porque perscrutam a evidência do coração de Deus. E, esperando além da esperança, serão bem cedo na manhã da Páscoa as sentinelas da Ressurreição do Amor! Naquela hora, amigos e amigas, nasce o Evangelho!
Rezar a Palavra e contemplar o Mistério
Senhor, a tua Cruz é o sinal da tua máxima entrega, de um amor que me ama até ao fim da minha verdade;
é a cartilha do perdão, é o manancial onde busco inspiração para o amor;
a tua Cruz é o esteio da minha esperança quando o fracasso ronda, ela me anuncia a ressurreição.
Senhor, eu te dou graças por este amor incondicional que me dedicas,
o amor onde me chamas à vida e à fé, o amor com que me garantes
que é possível vencer todas as noites do egoísmo… o amor que amanhece em ressurreição!
Viver a Palavra
Vou olhar a cruz e acolher com misericórdia a dor de cada irmão.