Um rei solitário, silencioso e abandonado

Povo meu! Povo meu!
Que te fiz eu? Que mal te causei? Em que te contristei?
Povo meu! Povo meu!
Não me dirás que mais podia fazer e não fiz?

LEITURA I  Is 50, 4-7

O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo, para que eu saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos. Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos, para eu escutar, como escutam os discípulos. O Senhor Deus abriu-me os ouvidos, e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam. Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio, e, por isso, não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei desiludido.

No personagem misterioso de Isaías percebemos a figura de Jesus que não se esquiva ao sofrimento para realizar o projeto de salvação que o Pai lhe confiou a favor dos homens. Recebeu diretamente de Deus as palavras que deve dizer e colocou no Senhor a sua confiança, força que o torna capaz de suportar as injúrias com resignação.

Salmo Responsorial                 Sl 21 (22), 8-9.17-18a.19-20.23-24 (R. 2a)

O salmo traduz de modo muito claro a experiência de sofrimento de Jesus em todo o processo da Paixão, na qual,  dá a vida pelos irmãos num testemunho que revela a total confiança em Deus.

LEITURA II Flp 2, 6-11

Cristo Jesus, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz. Por isso Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.

Antes de ser exaltado Jesus passa pelo caminho da humilhação. Apesar de ser Filho de Deus não foi isento de sofrimento, mas encontrou no sofrimento o caminho da obediência ao projeto do Pai. Por isso, o seu nome será elevado acima de todos os nomes.

Evangelho – forma longa Mc 14, 1 – 15, 47

N    Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo

       segundo são Marcos

       Faltavam dois dias para a festa da Páscoa e dos Ázimos,

       e os príncipes dos sacerdotes e os escribas

       procuravam maneira de se apoderarem de Jesus à traição,

       para Lhe darem a morte.

       Mas diziam:

R    «Durante a festa, não,

       para que não haja algum tumulto entre o povo».

N    Jesus encontrava-Se em Betânia,

       em casa de Simão o Leproso,

       e, estando à mesa,

       veio uma mulher que trazia um vaso de alabastro

       com perfume de nardo puro de alto preço.

       Partiu o vaso de alabastro

       e derramou-o sobre a cabeça de Jesus.

       Alguns indignaram-se e diziam entre si:

R    «Para que foi esse desperdício de perfume?

       Podia vender-se por mais de duzentos denários

       e dar o dinheiro aos pobres».

N    E censuravam a mulher com aspereza.

       Mas Jesus disse:

J     «Deixai-a. Porque estais a importuná-la?

       Ela fez uma boa ação para comigo.

       Na verdade, sempre tereis os pobres convosco

       e, quando quiserdes, podereis fazer-lhes bem;

       mas a Mim, nem sempre Me tereis.

       Ela fez o que estava ao seu alcance:

       ungiu de antemão o meu corpo para a sepultura.

       Em verdade vos digo:

       Onde quer que se proclamar o Evangelho, pelo mundo inteiro,

       dir-se-á também em sua memória o que ela fez».

N    Então, Judas Iscariotes, um dos Doze,

       foi ter com os príncipes dos sacerdotes

       para lhes entregar Jesus.

       Quando o ouviram, alegraram-se

       e prometeram dar-lhe dinheiro.

       E ele procurava uma oportunidade para entregar Jesus.

       No primeiro dia dos Ázimos,

       em que se imolava o cordeiro pascal,

       os discípulos perguntaram a Jesus:

R    «Onde queres que façamos os preparativos

       para comer a Páscoa?».

N    Jesus enviou dois discípulos e disse-lhes:

J     «Ide à cidade.

       Virá ao vosso encontro um homem com uma bilha de água.

       Segui-o e, onde ele entrar, dizei ao dono da casa:

       ‘O Mestre pergunta: Onde está a sala,

       em que hei de comer a Páscoa com os meus discípulos?’.

       Ele vos mostrará uma grande sala no andar superior,

       alcatifada e pronta.

       Preparai-nos lá o que é preciso».

N    Os discípulos partiram e foram à cidade.

       Encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito

       e prepararam a Páscoa.

       Ao cair da tarde, chegou Jesus com os Doze.

       Enquanto estavam à mesa e comiam,

       Jesus disse:

J     «Em verdade vos digo:

       Um de vós, que está comigo à mesa,

       há de entregar-Me».

N    Eles começaram a entristecer-se e a dizer um após outro:

R    «Serei eu?».

N    Jesus respondeu-lhes:

J     «É um dos Doze, que mete comigo a mão no prato.

       O Filho do homem vai partir,

       como está escrito a seu respeito,

       mas ai daquele por quem o Filho do homem vai ser traído!

       Teria sido melhor para esse homem não ter nascido».

N    Enquanto comiam, Jesus tomou o pão,

       recitou a bênção e partiu-o,

       deu-o aos discípulos e disse:

J     «Tomai: isto é o meu corpo».

N    Depois tomou um cálice, deu graças e entregou-lho.

       E todos beberam dele.

       Disse Jesus:

J     «Este é o meu sangue, o sangue da nova aliança,

       derramado pela multidão dos homens.

       Em verdade vos digo:

       Não voltarei a beber do fruto da videira,

       até ao dia em que beberei do vinho novo no reino de Deus».

N    Cantaram os salmos e saíram para o monte das Oliveiras.

N    Disse-lhes Jesus:

J     «Todos vós Me abandonareis, como está escrito:

       ‘Ferirei o pastor e dispersar-se-ão as ovelhas’.

       Mas depois de ressuscitar,

       irei à vossa frente para a Galileia».

N    Disse-Lhe Pedro:

R    «Embora todos Te abandonem, eu não».

N    Jesus respondeu-lhe:

J     «Em verdade te digo:

       Hoje, esta mesma noite, antes de o galo cantar duas vezes,

       três vezes Me negarás».

N    Mas Pedro continuava a insistir:

R    «Ainda que tenha de morrer contigo, não Te negarei».

N    E todos afirmaram o mesmo.

       Entretanto, chegaram a uma propriedade chamada Getsémani,

       e Jesus disse aos seus discípulos:

J     «Ficai aqui, enquanto Eu vou orar».

N    Tomou consigo Pedro, Tiago e João

       e começou a sentir pavor e angústia.

       Disse-lhes então:

J     «A minha alma está numa tristeza de morte.

       Ficai aqui e vigiai».

N    Adiantando-Se um pouco, caiu por terra

       e orou para que, se fosse possível,

       se afastasse d’Ele aquela hora.

       Jesus dizia:

J     «Abá, Pai, tudo Te é possível:

       afasta de Mim este cálice.

       Contudo, não se faça o que Eu quero,

       mas o que Tu queres».

N    Depois, foi ter com os discípulos, encontrou-os a dormir

       e disse a Pedro:

J     «Simão, estás a dormir? Não pudeste vigiar uma hora?

       Vigiai e orai, para não entrardes em tentação.

       O espírito está pronto, mas a carne é fraca».

N    Afastou-Se de novo e orou, dizendo as mesmas palavras.

       Voltou novamente e encontrou-os a dormir,

       porque tinham os olhos pesados

       e não sabiam que responder.

       Jesus voltou pela terceira vez e disse-lhes:

J     «Dormi agora e descansai…

       Chegou a hora:

       o Filho do homem vai ser entregue às mãos dos pecadores.

       Levantai-vos. Vamos.

       Já se aproxima aquele que Me vai entregar».

N    Ainda Jesus estava a falar,

       quando apareceu Judas, um dos Doze,

       e com ele uma grande multidão, com espadas e varapaus,

       enviada pelos príncipes dos sacerdotes,

       pelos escribas e os anciãos.

       O traidor tinha-lhes dado este sinal:

       «Aquele que eu beijar, é esse mesmo.

       Prendei-O e levai-O bem seguro».

       Logo que chegou, aproximou-se de Jesus e beijou-O, dizendo:

R    «Mestre».

N    Então deitaram-Lhe as mãos e prenderam-n’O.

       Um dos presentes puxou da espada

       e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe uma orelha.

       Jesus tomou a palavra e disse-lhes:

J     «Vós saístes com espadas e varapaus para Me prender,

       como se fosse um salteador.

       Todos os dias Eu estava no meio de vós,

       a ensinar no templo,

       e não Me prendestes!

       Mas é para se cumprirem as Escrituras».

N    Então os discípulos deixaram-n’O e fugiram todos.

       Seguiu-O um jovem, envolto apenas num lençol.

       Agarraram-no, mas ele, largando o lençol, fugiu nu.

       Levaram então Jesus à presença do sumo sacerdote,

       onde se reuniram todos os príncipes dos sacerdotes,

       os anciãos e os escribas.

       Pedro, que O seguira de longe,

       até ao interior do palácio do sumo sacerdote,

       estava sentado com os guardas, a aquecer-se ao lume.

       Entretanto, os príncipes dos sacerdotes e todo o Sinédrio

       procuravam um testemunho contra Jesus

       para Lhe dar a morte,

       mas não o encontravam.

       Muitos testemunhavam falsamente contra Ele,

       mas os seus depoimentos não eram concordes.

       Levantaram-se então alguns,

       para proferir contra Ele este falso testemunho:

R    «Ouvimo-l’O dizer:

       ‘Destruirei este templo feito pelos homens

       e em três dias construirei outro

       que não será feito pelos homens’».

N    Mas nem assim o depoimento deles era concorde.

       Então o sumo sacerdote levantou-se no meio de todos

       e perguntou a Jesus:

R    «Não respondes nada ao que eles depõem contra Ti?».

N    Mas Jesus continuava calado e nada respondeu.

       O sumo sacerdote voltou a interrogá-l’O:

R    «És Tu o Messias, Filho do Deus bendito?».

N    Jesus respondeu:

J     «Eu Sou. E vós vereis o Filho do homem

       sentado à direita do Todo-poderoso

       vir sobre as nuvens do céu».

N    O sumo sacerdote rasgou as vestes e disse:

R    «Que necessidade temos ainda de testemunhas?

       Ouvistes a blasfémia. Que vos parece?».

N    Todos sentenciaram que Jesus era réu de morte.

       Depois, alguns começaram a cuspir-Lhe,

       a tapar-Lhe o rosto com um véu

       e a dar-Lhe punhadas, dizendo:

R    «Adivinha».

N    E os guardas davam-Lhe bofetadas.

       Pedro estava em baixo, no pátio,

       quando chegou uma das criadas do sumo sacerdote.

       Ao vê-lo a aquecer-se, olhou-o de frente e disse-lhe:

R    «Tu também estavas com Jesus, o Nazareno».

N    Mas ele negou:

R    «Não sei nem entendo o que dizes».

N    Depois saiu para o vestíbulo, e o galo cantou.

       A criada, vendo-o de novo, começou a dizer aos presentes:

R    «Este é um deles».

N    Mas ele negou segunda vez.

       Pouco depois, os presentes diziam também a Pedro:

R    «Na verdade, tu és deles, pois também és galileu».

N    Mas ele começou a dizer imprecações e a jurar:

R    «Não conheço esse homem de quem falais».

N    E logo o galo cantou pela segunda vez.

       Então Pedro lembrou-se do que Jesus lhe tinha dito:

       «Antes de o galo cantar duas vezes,

       três vezes Me negarás».

       E desatou a chorar.

       Logo de manhã,

       os príncipes dos sacerdotes reuniram-se em conselho

       com os anciãos e os escribas e todo o Sinédrio.

       Depois de terem manietado Jesus,

       foram entregá-l’O a Pilatos.

       Pilatos perguntou-Lhe:

R    «Tu és o rei dos judeus?».

N    Jesus respondeu:

J     «É como dizes».

N    E os príncipes dos sacerdotes

       faziam muitas acusações contra Ele.

       Pilatos interrogou-O de novo:

R    «Não respondes nada? Vê de quantas coisas Te acusam».

N    Mas Jesus nada respondeu,

       de modo que Pilatos estava admirado.

       Pela festa da Páscoa,

       Pilatos costumava soltar-lhes um preso à sua escolha.

       Havia um, chamado Barrabás, preso com os insurretos

       que numa revolta tinham cometido um assassínio.

       A multidão, subindo,

       começou a pedir o que era costume conceder-lhes.

       Pilatos respondeu:

R    «Quereis que vos solte o rei dos judeus?».

N    Ele sabia que os príncipes dos sacerdotes

       O tinham entregado por inveja.

       Entretanto, os príncipes dos sacerdotes incitaram a multidão

       a pedir que lhes soltasse antes Barrabás.

       Pilatos, tomando de novo a palavra, perguntou-lhes:

R    «Então que hei de fazer d’Aquele

       que chamais o rei dos judeus?».

N    Eles gritaram de novo:

R    «Crucifica-O!».

N    Pilatos insistiu:

R    «Que mal fez Ele?».

N    Mas eles gritaram ainda mais:

R    «Crucifica-O!».

N    Então Pilatos, querendo contentar a multidão,

       soltou-lhes Barrabás

       e, depois de ter mandado açoitar Jesus,

       entregou-O para ser crucificado.

       Os soldados levaram-n’O para dentro do palácio,

       que era o pretório,

       e convocaram toda a coorte.

       Revestiram-n’O com um manto de púrpura

       e puseram-Lhe na cabeça uma coroa de espinhos

       que haviam tecido.

       Depois começaram a saudá-l’O:

R    «Salve, rei dos judeus!».

N    Batiam-Lhe na cabeça com uma cana, cuspiam-Lhe

       e, dobrando os joelhos, prostravam-se diante d’Ele.

       Depois de O terem escarnecido,

       tiraram-Lhe o manto de púrpura

       e vestiram-Lhe as suas roupas.

       Em seguida levaram-n’O dali para O crucificarem.

       Requisitaram, para Lhe levar a cruz,

       um homem que passava, vindo do campo,

       Simão de Cirene, pai de Alexandre e Rufo.

       E levaram Jesus ao lugar do Gólgota,

       quer dizer, lugar do Calvário.

       Queriam dar-Lhe vinho misturado com mirra,

       mas Ele não o quis beber.

       Depois crucificaram-n’O.

       E repartiram entre si as suas vestes,

       tirando-as à sorte, para verem o que levaria cada um.

       Eram nove horas da manhã quando O crucificaram.

       O letreiro que indicava a causa da condenação tinha escrito:

       «Rei dos Judeus».

       Crucificaram com Ele dois salteadores,

       um à direita e outro à esquerda.

       Os que passavam insultavam-n’O

       e abanavam a cabeça, dizendo:

R    «Tu que destruías o templo e o reedificavas em três dias,

       salva-Te a Ti mesmo e desce da cruz».

N    Os príncipes dos sacerdotes e os escribas

       troçavam uns com os outros, dizendo:

R    «Salvou os outros e não pode salvar-Se a Si mesmo!

       Esse Messias, o rei de Israel, desça agora da cruz,

       para nós vermos e acreditarmos».

N    Até os que estavam crucificados com Ele O injuriavam.

       Quando chegou o meio-dia,

       as trevas envolveram toda a terra até às três horas da tarde.

       E às três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte:

J     «Eloí, Eloí, lemá sabactáni?».

N    que quer dizer:

       «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?».

       Alguns dos presentes, ouvindo isto, disseram:

R    «Está a chamar por Elias».

N    Alguém correu a embeber uma esponja em vinagre

       e, pondo-a na ponta duma cana, deu-Lhe a beber e disse:

R    «Deixa ver se Elias vem tirá-l’O dali».

N    Então Jesus, soltando um grande brado, expirou.

       O véu do templo rasgou-se em duas partes de alto a baixo.

       O centurião que estava em frente de Jesus,

       ao vê-l’O expirar daquela maneira, exclamou:

R    «Na verdade, este homem era Filho de Deus».

N    Estavam também ali umas mulheres a observar de longe,

       entre elas Maria Madalena,

       Maria, mãe de Tiago e de José, e Salomé,

         que acompanhavam e serviam Jesus, quando estava na Galileia,

       e muitas outras que tinham subido com Ele a Jerusalém.

       Ao cair da tarde

       – visto ser a Preparação, isto é, a véspera do sábado –

       José de Arimateia, ilustre membro do Sinédrio,

       que também esperava o reino de Deus,

       foi corajosamente à presença de Pilatos

       e pediu-lhe o corpo de Jesus.

       Pilatos ficou admirado de Ele já estar morto

       e, mandando chamar o centurião,

       perguntou-lhe se Jesus já tinha morrido.

       Informado pelo centurião,

       ordenou que o corpo fosse entregue a José.

       José comprou um lençol,

       desceu o corpo de Jesus e envolveu-O no lençol;

       depois depositou-O num sepulcro escavado na rocha

       e rolou uma pedra para a entrada do sepulcro.

       Entretanto, Maria Madalena e Maria, mãe de José,

       observavam onde Jesus tinha sido depositado.

A Paixão de Jesus, descrita por Marcos, está plena de solidão e de silêncio. Uma solidão e silêncio que guardam o segredo da grande revelação: A maldade dos homens e as forças da morte não têm a última palavra. Jesus vai ressuscitar.

Reflexão da Palavra

O profeta Isaías apresenta um personagem desconhecido, que tanto pode ser ele como outro e que nós compreendemos que se aplica totalmente a Jesus. Este personagem não é um profeta mas tem vocação de profeta, uma vez que é chamado a falar. A palavra não é sua, vem do Senhor. É ele quem coloca na sua boca as palavras que deve dizer e é também o Senhor quem desperta os seus ouvidos para ouvir. Este homem, desconhecido, não resiste à palavra. Acolhe-a e devolve-a àqueles que andam abatidos.

A missão imposta pelo Senhor, de levar “uma palavra de alento”, causa-lhe grandes sofrimentos. Batem-lhe, arrancam-lhe a barba, insultam-no e cospem-lhe, mas ele não opõe resistência. Não resiste ao Senhor que lhe abre os ouvidos nem aos inimigos que o tratam mal.

A sua atitude é de total confiança no Senhor. Só nele está a sua confiança pois sabe que “não fiquei envergonhado” e “não ficarei desiludido”.

O salmo responsorial, constituído por alguns versículos do salmo 21, é a súplica de alguém que se encontra em grande aflição, “meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste”, que já fez os seus pedidos ao Senhor anteriormente, “clamo por ti durante o dia; durante a noite, e não tenho sossego”, mas parece que não foi atendido “e não me respondes”. Então, levanta a sua voz numa última esperança de ser atendido.

A situação da sua vida requer urgência porque é grande o seu sofrimento. Vive em perigo constante de morte, rodeado de touros, de cães, de malfeitores, é considerado um verme, desprezado pelo povo, escarnecem dele, trespassaram as suas mãos e os seus pés. Tudo porque confiou no Senhor. E o Senhor não responde.

Num último grito de esperança faz ouvir a sua súplica “não te afastes de mim! És o meu auxílio: vem socorrer-me depressa!” e revela a sua grande confiança.

Confiado de que vai ser atendido, compromete-se “então anunciarei o teu nome aos meus irmãos e te louvarei no meio da assembleia”.

Os versículos da carta aos filipenses, que constituem a segunda leitura fazem parte de um hino que circulava nas comunidades cristãs de tradição petrina. No contexto da celebração do domingo de Ramos da Paixão, as palavras deste hino têm outra profundidade. Exalta-se a humildade e obediência de Cristo que, “não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio”. Na obediência a Deus, o caminho de Jesus foi o de abaixamento, de humilhação. Sendo Deus fez-se homem e como homem morre na cruz numa atitude de serviço aos homens. Cumpre assim, na sua própria vida o que ele mesmo proclamou para os seus discípulos “quem quiser ser o primeiro seja o servo” para que se realize nele também a exaltação que promete aos que se humilham, “quem se humilha será exaltado”. Por isso o texto continua afirmando “Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes”. Agora, todos proclamam: “Jesus Cristo é o Senhor”.

Marcos dá início à narração da Paixão de Jesus com três momentos que se entrelaçam para anunciar a morte de Jesus. Primeiro a decisão tomada pelos chefes dos sacerdotes e doutores da lei de matar Jesus sem saberem como fazer para o prender; depois a unção com perfume em Betânia, gesto que Jesus liga com a sua morte iminente, quando diz da mulher que “antecipou-se a ungir o meu corpo para a sepultura”; e, por fim, a traição de Judas, que precipita e antecipa os acontecimentos ao responder à dificuldade que os sacerdotes e doutores da Lei têm para prender Jesus. Da traição de Judas o leitor retira a consciência de que, qualquer homem pode entregar Jesus para ser preso.

Tudo se passa na proximidade da Páscoa que é a festa da libertação do Egito, ambiente propício para uma nova manifestação de Deus em favor do seu povo, agora definitiva e eterna em Jesus. Por isso os discípulos questionam Jesus sobre o lugar onde vão preparar a Páscoa. A importância da Páscoa é manifestada pela preocupação pormenorizada da sua preparação, marcada pela confirmação dos sinais dados por Jesus.

A Ceia desenvolve-se em dois momentos, o primeiro é marcado pelo anúncio da traição e a incerteza dos discípulos sobre o autor dessa traição. Qualquer um deles podia ser o traidor, por isso, todos questionam e ninguém se denuncia. A traição, no entanto, não impede a realização do projeto divino “o Filho do Homem segue o seu caminho”. A segunda parte contempla os dois momentos da instituição da Eucaristia, um sobre o pão e outro sobre o vinho. As palavras de Jesus revelam que aquela ceia, a judaica, se transforma a partir daquele momento na ceia do Senhor, do mesmo modo que o pão se torna no corpo de Cristo e fonte de unidade e o vinho se torna no sangue que é fonte de vida e comunhão entre todos os que nele participam.

A predição da negação de Pedro que vai concretizar-se mais à frente cumprindo as palavras de Jesus, revela não apenas a condição de Pedro mas a de todos os discípulos, “todos ides abandonar-me”. Isto significa que depois de Judas, também Pedro e os outros e até os leitores do evangelho, participam no mistério da iniquidade que leva Jesus à cruz. Nenhum discípulo de Cristo está isento.

O momento de oração no Jardim das Oliveira é particularmente revelador do drama que já espreita e da necessidade que Jesus tem de encontrar forças para enfrentar a realidade. É tempo de solidão, de angústia mas não de fuga à vontade do Pai. E é tempo para os discípulos e leitores do evangelho perceberem que, quando a hora chega, é necessário estar preparado.

Como diz o profeta Isaías, na primeira leitura, Jesus, depois de assumir a vontade do Pai, submetendo-se, apresenta-se às mãos dos homens sem recuar um passo, impressionando o leitor que agora tem que se decidir permanecer com Jesus ou fazer como os discípulos e fugir.

A narração de Marcos apresenta de seguida o julgamento em dois atos e a condenação. No primeiro ato Jesus é colocado diante das autoridades judaicas e enfrenta a acusação de blasfémia por causa do templo. No segundo ato enfrenta as autoridades romanas e a cobardia de Pilatos com a acusação de se fazer rei e, portanto, em oposição a Roma. A decisão de condenação favorece um criminoso, Barrabás, preferido pelos judeus.

Nas mãos dos soldados romanos Jesus reproduz em si mesmo o retrato traçado por Isaías “apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam” e é revestido com um manto de púrpura como os reis.

Jesus vive a sua hora numa total solidão. Desapareceram todos os que o seguiam, não há rasto de ninguém conhecido, é um estranho o chamado para lhe levar a cruz. Nessa solidão chega ao Calvário onde é crucificado depois de um caminho marcado pelo silêncio. O leitor entende agora que aqueles que queriam o lugar à sua direita e à sua esquerda não compareceram e foram crucificados com ele dois ladrões “aqueles para quem o Pai tinha o lugar reservado”. E entende ainda que, não apareceu ninguém para certificar a identidade de Jesus, a não ser um pagão, o centurião romano que afirma: “verdadeiramente este homem era Filho de Deus”.

Meditação da Palavra

A narração da Paixão de Jesus escrita por Marcos deixa-nos a ideia de um Jesus que caminha só. A sua solidão é extraordinariamente densa. Uma solidão que ele vive num silêncio profundo. Depois da negação de Pedro já não se fala dos discípulos nem de ninguém próximo de Jesus. Das mulheres que o seguiam só se fala depois da morte quando o vão a sepultar e diz-se que observam de longe.

Em pouco tempo Jesus passa das aclamações entusiasmadas do povo para descrédito e a ignominia. Da entrada em Jerusalém entre aclamações para a crucificação fora dos muros da cidade, em total rejeição. Do reconhecimento como o Messias, o Filho de Deus, o rei de Israel, filho de David “bendito aquele que vem em nome do Senhor” para condenação por blasfémia na cruz, onde é tido como esquecido e abandonado por Deus e por todos.

Durante todo o processo as palavras de Jesus são contidas, uma poucas palavras, apenas “Eu sou”. E “vereis o Filho do Homem sentado à direita do poder e vir sobre as nuvens do céu”, em resposta ao Sumo Sacerdote e “Tu o dizes” em resposta a Pilatos. E no final, já na cruz, “Eloí, Eloí, Lemá sabachtaní” que, ao contrário do que pode parecer não são palavras de desespero mas uma afirmação de confiança inspirada no salmo 21 onde o autor é reconhecido como alguém que confiou no Senhor e que afirma “pertenço-te desde o ventre materno; desde o seio de minha mãe, Tu és o meu Deus”.

Na solidão e no silêncio Jesus mantém vivo o segredo que transporta dentro de si desde sempre e que só será revelado depois da sua ressurreição: Ele que “era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz”. E só depois da ressurreição os seus discípulos poderão finalmente compreender quem ele realmente é.

Quem é Jesus em Marcos? É o Messias rei, é o Messias esperado. Ninguém nega a afirmação sobre a realeza de Jesus. Marcos não deixa que esta realeza se perca no meio do drama do seu julgamento e condenação. A afirmação é feita a primeira vez por Pilatos em forma de pergunta “és tu o rei dos judeus?” e continua esta afirmação de Jesus como rei perante a multidão e os seus chefes “quereis que vos solte o rei dos judeus?” e mais adiante “então, que quereis que faça daquele a quem chamais rei dos judeus?”. Até os soldados mantêm a afirmação quando, depois de o levaram preso, se inclinam diante dele e o saúdam dizendo “Salve! Ó rei dos judeus!”. Jesus é o rei até à cruz. Ali mesmo, a inscrição mandada colocar por Pilatos apenas diz “o rei dos judeus” e até os sumos sacerdotes e os doutores da Lei confirmam que Jesus é rei, afirmando “o Messias, o rei de Israel! desça agora da cruz para nós vermos e acreditarmos”.

Do mesmo modo, Jesus aparece como o Messias, o Filho de Deus. É o Sumo sacerdote que primeiro o afirma na pergunta que faz a Jesus “és tu o Messias, o Filho de Deus Bendito?”. A esta questão Jesus responde com um “eu sou” como a Pilatos. Ninguém nega esta identidade de Jesus. Escandalizam-se, rasgam as vestes, insultam Jesus, recusam-se a acreditar, mas não negam. Quando já está na cruz, é com o título de Messias que os doutores da Lei e os sumos sacerdotes o pretendem injuriar “salvou os outros mas não pode salvar-se a si mesmo! O Messias…”.

No final Marcos confirma a identidade de Jesus através de um pagão. “O centurião que estava em frente dele, ao vê-lo expirar daquela maneira, disse: “verdadeiramente este homem era Filho de Deus!” Verdade que será o centro do evangelho anunciado pelos discípulos após a ressurreição. O leitor de Marcos vê-se diante de Jesus crucificado na urgência de repetir o que ouviu ao centurião, afirmando na fé que, “verdadeiramente, Jesus, é o Filho de Deus” que, sendo de “condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz”. Que foi anunciado por Isaías como o discípulo que se submete à palavra de Deus e àqueles que o mal tratam. Como o servo de Javé que não abre a boca para se lamentar. Como o homem de dores que mantém a sua confiança naquele que o pode tirar da morte.

Marcos dasafia, com a narração da Paixão, a reconhecer que Jesus, o crucificado, é o rei, o Messias, Filho de Deus.

Rezar a Palavra

Ecoam em mim as palavras do centurião: “verdadeiramente este homem era Filho de Deus!”. Esta voz interrompe os meus trabalhos. Levanto a cabeço e fixo o olhar na tua cruz para ver quem é este homem de quem dizem que é Filho de Deus, de quem dizem que é Messias e rei. Estas palavras questionam a minha fé e perguntam por mim, pela minha resposta. Crês que “verdadeiramente este homem é Filho de Deus”? Estas palavras provocam em mim um silêncio, deixam-me só comigo, perplexo e intrigado. Estas palavras preenchem-me, dão-me alento e ânimo. Não entendo totalmente esta verdade, mas estas palavras sossegam-me e enchem-me de confiança.

Compromisso semanal

Contemplo Jesus na cruz e digo com o centurião “verdadeiramente este homem era Filho de Deus!