Se o fogo me devorar viverei no Espírito

Mesmo sem querer, a minha boca abre-se para dizer “Pai”. Não sabe a nada. Abre-se novamente a minha boca para dizer “Pai”. Não sabe a nada. Insiste a minha boca em dizer “Pai”. E, não querendo ainda, descubro alguém. Continua a minha boca a dizer “Pai” e acende-se um fogo que me devora e faz viver. Um fogo que não se apaga, um vento que não se deixa prender, um ruído interminável que, vindo dos céus, me faz ouvir a voz que diz: “filho… tu és meu filho”. E querendo sem querer digo “Pai” e um fogo que cai do céu faz-me viver… como filho.

LEITURA I At 2, 1-11

Quando chegou o dia de Pentecostes, os Apóstolos estavam todos reunidos no mesmo lugar. Subitamente, fez-se ouvir, vindo do Céu, um rumor semelhante a forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem. Residiam em Jerusalém judeus piedosos, procedentes de todas as nações que há debaixo do céu. Ao ouvir aquele ruído, a multidão reuniu-se e ficou muito admirada, pois cada qual os ouvia falar na sua própria língua. Atónitos e maravilhados, diziam: «Não são todos galileus os que estão a falar? Então, como é que os ouve cada um de nós falar na sua própria língua? Partos, medos, elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia, vizinha de Cirene, colonos de Roma, tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes, ouvimo-los proclamar nas nossas línguas as maravilhas de Deus».

A manifestação do Espírito Santo na manhã de Pentecostes provoca nos apóstolos, reunidos em oração, uma mudança que significa um verdadeiro milagre. O fogo do Espírito que os preenche, leva-os para fora e começam a falar.

Salmo responsorial Sl 103 (104), 1abc.24ac.29bc-30.31.34
Todas as criaturas que os nossos olhos podem contemplar, são obra das mãos de Deus e a sua existência depende do sopro de divino. É o Espírito do Senhor que lhes dá vida e se este Espírito falta tudo volta ao pó, tudo morre. Viver segundo o Espírito é a única garantia para que a vida não se extinga.

LEITURA II 1Cor 12, 3b-7.12-13

Irmãos: Ninguém pode dizer «Jesus é o Senhor» a não ser pela ação do Espírito Santo. De facto, há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum. Assim como o corpo é um só e tem muitos membros e todos os membros, apesar de numerosos, constituem um só corpo, assim também sucede com Cristo. Na verdade, todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um único Espírito.

O Espírito atua em cada crente dispondo-o a dizer que “Jesus é o Senhor” e a colocar os dons de Deus ao serviço da comunidade para constituir, em Cristo, um só corpo.

EVANGELHO Jo 20, 19-23

Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor. Jesus disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».

O primeiro dia da semana torna-se para os apóstolos no dia do encontro com Jesus ressuscitado. Neste dia são transformados em enviados. E no mesmo dia recebem o Espírito Santo para transformarem o coração dos homens pelo perdão.

Reflexão da Palavra

A manhã daquele dia de Pentecostes é descrita por Lucas nos Atos dos Apóstolos com fenómenos extraordinários que se configuram como milagres. Primeiro refere que “estavam todos reunidos no mesmo lugar”. Trata-se da reunião de oração habitual entre os apóstolos. Depois assinala os fenómenos extraordinários: o milagre do ruído “que encheu toda a casa”, as línguas de fogo que se dividiam e “poisou uma sobre cada um deles” e “todos ficaram cheios do Espírito Santo”, finalmente, o efeito desta manifestação, talvez o maior dos milagres, “começaram a falar”.

A manifestação do ruído e do fogo evocam o acontecimento do Sinai onde Deus entrega a Lei a Moisés e faz ouvir a sua voz no meio dos trovões e do fogo (Ex 19, 11-19). Pode recordar-se ainda a manifestação do Senhor a Elias numa brisa suave, depois de lhe ter enviado um vento impetuoso, um tremor de terra e o fogo (1Rs 19, 11s).

O lugar em que se encontram todos reunidos é a casa de oração que, após receberem o Espírito Santo, se torna o lugar de encontro para “todas as nações”, podendo entender-se uns aos outros, apesar de falarem línguas diferentes. É precisamente o contrário do que acontece em Babel, onde os homens estão todos reunidos no mesmo lugar, mas entre eles não atua o Espírito, gerando-se, por isso, a confusão (Gn 11,1-9).

A comunidade, reunida para celebrar o Pentecostes, pode fazer, hoje, a mesma experiência que os apóstolos reunidos na casa de oração.

O salmista é um contemplativo. Ele observa a obra da criação e vai tecendo um hino de louvor por tudo o que os seus olhos veem e saiu das mãos de Deus. Curiosamente, ao contrário do que acontece com outros salmos, o autor não convida a criação a louvar o Senhor. É ele quem louva o Senhor por toda a criação, “bendiz, ó minha alma, o Senhor”. As criaturas revelam, aos olhos contemplativos do salmista, o Deus criador que está por detrás da sua existência, e continua presente, como um Deus próximo e ativo que se ocupa da obra das suas mãos. O homem faz parte desta criação e realiza, com o seu trabalho, o que necessita para a sua subsistência. Ao contrário do resto da criação, o homem, não tem tudo feito.

Os poucos versículos que são recolhidos para esta celebração acentuam a grandeza de Deus e das suas obras e a dependência de todas as criaturas do alento divino. “Se lhes tirais o alento, morrem e voltam ao pó donde vieram. Se mandais o vosso espírito, retomam a vida”. A alegria do homem é agradar ao Senhor”.

Paulo reconhece a presença do Espírito Santo na vida da comunidade e de cada membro da comunidade. É pelo Espírito que cada um pode dizer “Jesus é o Senhor” e é o Espírito quem capacita individualmente para realizar os ministérios e os carismas necessários à vida e crescimento da comunidade. Os dons e carismas despertados pelo Espírito não são para prestígio e satisfação daquele que os recebe, mas para o bem comum. Paulo deixa claro que “todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só corpo”. Por isso, os carismas do Espírito não podem ser usados para criar cristãos de primeira e cristãos de segunda, mas para formar um só corpo onde todos são iguais em Cristo.

O texto evangélico deste domingo já foi escutado no segundo domingo da Páscoa. Ali, recolhiam-se os versículos 19-31 e aqui apenas os versículos 19-23. Recordemos que estamos na tarde do primeiro dia da semana, o dia da ressurreição. Pela manhã, ainda cedo, Maria Madalena vai ao sepulcro e encontra-se com Jesus ressuscitado. Pela tarde, Jesus, aparece aos discípulos. O texto descreve que os discípulos estão reunidos e com medo, pelo que, têm as portas e as janelas fechadas. A estes homens, condicionados pelo medo, Jesus constitui como enviados, concede-lhes o Espírito Santo e o poder de perdoar. O modelo dos apóstolos é Jesus, o enviado do Pai, assim como o Espírito que os anima é o mesmo que animou Jesus. A missão que lhes é confiada consiste em levar, pelo perdão, o coração dos homens ao coração de Deus, tal como o fez Jesus.

Meditação da Palavra

O domingo de Pentecostes concentra a atenção no Espírito Santo. Termina o Tempo Pascal e começa o tempo da Igreja. Os primeiros discípulos são encontrados no mesmo lugar, como referem a primeira leitura e o evangelho. Estando juntos, vivem sentimentos contraditórios como escutámos no domingo passado perante a ascensão de Jesus: “quando O viram, adoraram-n’O; mas alguns ainda duvidaram”.

Estavam dominados pelo medo, como avança o evangelho de João, que não os deixa sair de casa, não lhes permite responder ao desafio deixado pelo ressuscitado, “ide e ensinai todas as nações” e também não lhes permite a possibilidade de abrir as portas e as janelas. Os outros, os de fora, são todos inimigos que ameaçam as suas frágeis vidas, mutiladas pela partida do mestre. Ele sim, era a força e o poder de Deus em erupção na frágil humanidade. Eles estão presos na cobardia gerada pelo medo. Era esta, e pode continuar a ser, a atitude da Igreja no meio das inseguranças do tempo presente. Portas e janelas fechadas com medo dos “judeus”.

Como os discípulos também a Igreja de hoje pode tornar-se a Igreja dos desanimados do Espírito. É bom recordar aqui as palavras do salmo “se lhes tirais o alento, morrem e voltam ao pó donde vieram. Se mandais o vosso espírito, retomam a vida e renovais a face da terra”. Quanto mais frágil estiver a Igreja mais necessidade tem de homens e mulheres conscientes do poder do Espírito e da sua força transformadora.

O Espírito, como um sopro que sai da boca do ressuscitado ou avassalador como um vento impetuoso, tem poder para abrir as janelas e as portas, se não forem colocadas teimosamente as trancas da recusa obstinada pelo medo de ver o dia, de ver o mundo, de ver os outros. E para lançar a pequena e frágil Igreja na rota da missão, fazendo ouvir em todas as nações a palavra do evangelho, única palavra capaz de esbater as diferenças e unir os corações no mesmo louvor “Bendiz, ó minha alma, o Senhor”.
Insuflados pelo princípio de vida nova da ressurreição, os discípulos são lançados para lá do medo, para a vida em plenitude, gerando vida eterna no coração de quem escuta o evangelho e provocando, pela ação deslumbrante do Espírito, a alegria que falta às suas vidas: “e eu terei alegria no Senhor”.

Ir para lá do medo é entender nos sinais do crucificado, agora ressuscitado, os sinais da plenitude do amor que continua a dar-se, a arriscar morrer continuadamente pelo outro. Porque as chagas de Jesus, curadas pelo Espírito Santo, venceram o ódio, a violência, a vingança, o mal e transformaram-se em amor.

Os crentes individualmente, e a Igreja no seu todo, percebem as marcas do crucificado no rosto, nas mãos e no peito de cada irmão e no seu próprio corpo e deixam-se curar, curando, no mesmo Espírito. E, porque “em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum”, usam os dons recebidos para edificar o corpo de Cristo, sem fazer distinção entre “judeus e gregos, escravos e homens livres” porque “é o mesmo Deus que opera tudo em todos”.

A comunidade celebrante pode encontrar-se neste domingo com o Espírito Santo, dom de Deus, e experimentar, uma vez mais, abrir as portas e as janelas da casa onde se reúne e começar a falar a linguagem do Espírito, que todos entendem, com o desassombro daqueles que perderam o medo ao contemplar as maravilhas realizadas pelo Senhor.

Rezar a Palavra

Vem Espírito Santo! Vem! E cura as minhas feridas, as chagas das minhas mãos e dos meus pés, do meu coração partido. Vem Espírito Santo e ensina-me a curar com a palavra da verdade as mãos e o lado dos meus irmãos crucificados. Vem Espírito Santo e transforma os meus pequenos gestos de cada dia em sinais do amor divino.

Compromisso semanal

Ao longo da semana vou continuar a experimentar a presença santificadora do Espírito e a servir os irmãos como missão recebida de Jesus.