Um sepulcro cheio de vida

Mergulhados no escuro correm velozes os pés do amor em busca do sepulcro.

Rola-se a pedra sem mãos humanas para a impedir. Pedra rolada, lugar vazio, sinais de ausência.

Mistério de lágrimas choradas em nome da esperança. Olhares que se cruzam sem nenhuma resposta. Palavra de ontem que se tornam verdade naqueles que creem.

Eis o dia que fez o Senhor, exultemos e alegremo-nos nele.

Leitura I At 10, 34a, 37-43

Naqueles dias, Pedro tomou a palavra e disse: «Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos pelo Demónio, porque Deus estava com Ele. Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém; e eles mataram-n’O, suspendendo-O na cruz. Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos. Jesus mandou-nos pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. É d’Ele que todos os profetas dão o seguinte testemunho: quem acredita n’Ele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados».

Na casa de Cornélio, um pagão convertido, Pedro recorda que a adesão a Jesus não é a adesão a um projeto, a uma ideia nem a um a teoria. Trata-se de aderir a alguém que é Jesus Cristo, que passou fazendo o bem, foi morto pelos homens e acreditado por Deus que o ressuscitou e no qual temos a remissão dos pecados.

Salmo 117(118), 1-2, 16ab-17, 22-23

O salmo 117 convida a dar graças ao Senhor, a cantar a sua misericórdia e todas as suas maravilhas porque ele libertou Jesus da morte.

Leitura II Col. 3, 1-4

Irmãos: Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo Se encontra, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória.

Aderir a Cristo é fazer a experiência de participar na sua morte e na sua ressurreição pelo batismo. Trata-se de uma vida nova, na qual já participamos mas que ainda precisa de se revelar plenamente.

I Cor 5, 6b-8

Irmãos: Não sabeis que um pouco de fermento leveda toda a massa? Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa, visto que sois pães ázimos. Cristo, o nosso cordeiro pascal, foi imolado. Celebremos a festa, não com fermento velho, nem com fermento de malícia e perversidade, mas com os pães ázimos da pureza e da verdade.

O cristão, renascido para uma vida nova em Cristo pelo batismo, renuncia a toda a espécie de maldade para viver segundo a pureza e a verdade.

Evangelho Jo 20, 1-9

No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro e viu a pedra retirada do sepulcro. Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo que Jesus amava e disse-lhes: «Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram». Pedro partiu com o outro discípulo e foram ambos ao sepulcro. Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo antecipou-se, correndo mais depressa do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro. Debruçando-se, viu as ligaduras no chão, mas não entrou. Entretanto, chegou também Simão Pedro, que o seguira. Entrou no sepulcro e viu as ligaduras no chão e o sudário que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não com as ligaduras, mas enrolado à parte. Entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: viu e acreditou. Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos.

Com a narração dos acontecimentos à volta do sepulcro vazio, João revela que a verdadeira fé não vem das evidências dos factos nem das provas que possamos reunir, mas das Escrituras. A partir da palavra o olhar do discípulo compreende os sinais à luz da fé.

Reflexão da Palavra

O texto do livro dos Atos dos Apóstolos que compõe a primeira leitura faz parte de uma unidade maior que é todo o capítulo 10. Depois das duas visões, a de Cornélio e a de Pedro, este dirige-se a casa de Cornélio onde faz o discurso que antecede o batismo da primeira família de origem pagã. As palavras de Pedro no discurso de preparação para o batismo são as que nos ocupam nesta primeira leitura.

O Pedro que vai a casa do centurião romano é um Pedro investido pelo poder de Deus já confirmado na cura de Eneias e na ressurreição de Tabitá. Ele age com a força do alto que Jesus tinha prometido antes de partir e que Lucas regista no final do evangelho (Lc 24,49). Quem o conduz é o Espírito “o Espírito disse-lhe: “estão aí três homens a procurar-te. Ergue-te, desce e parte com eles… porque fui eu quem os mandei cá”.

Na casa de Cornélio, Pedro, manifesta esta mesma consciência ao revelar aos pagãos ali reunidos que Deus “não faz distinção de pessoas”. De acordo com a sua tradição, o cumprimento da lei impede-o de entrar na casa de um pagão, mas de acordo com a nossa tradição, a lei inspirada pelo Espírito que o enviou a eles, não pode negar o que o próprio Espírito concede “ficaram estupefactos, ao verem que o dom do Espírito Santo, fora derramado também sobre os pagãos” (v 45).

No seu discurso catequético, Pedro expõe as três verdades fundamentais da fé cristã: “Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré”, “eles (os judeus) mataram-n’O, suspendendo-O na cruz” e “Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se”, por isso, em todo o tempo e lugar “quem acredita n’Ele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados”. Pedro apresenta-se como testemunha destes factos porque ele faz parte do grupo daqueles a quem Jesus se manifestou ressuscitado, “a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos”. Pedro aparece, assim, como aquele que dá início ao anúncio do evangelho entre os pagãos.

Pelo seu conteúdo e estrutura percebe-se que o salmo 118 seria utilizado na liturgia do templo no contexto da ação de graças. Os elementos do próprio salmo referem os momentos da celebração e o seu andamento assim como os seus intervenientes. Percebe-se a presença da casa de Israel a casa de Aarão, os que creem, aquele que procede à ação de graças por ter sido escutado, a entrada no templo, os ramos que adornam o caminho até ao altar…

Colocado na celebração do dia da ressurreição de Jesus, este salmo ganha um conteúdo pascal e os elementos são aplicados a Cristo, particularmente o versículo 22 citado por Jesus nos evangelhos “a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular”.

Aquele que foi alvo da libertação por parte do Senhor, sente-se alvo da atenção de Deus já manifestada a favor de todo o povo em outros momentos da história de Israel. O Senhor é um Deus que liberta, tira da morte e concede a vida “não morrerei mas hei de viver”, por isso as aclamações são de alegria e de vitória, “este é o dia da vitória do Senhor; cantemos e alegremo-nos nele”.

De acordo com a teologia de Paulo, presente na carta aos colossenses, o batismo insere-nos na vida com Cristo. Pela participação no mistério da morte e da ressurreição de Cristo, somos participantes de uma vida nova que só se manifestará na glória. Agora é tempo de se libertar das coisas terrenas e aspirar as coisas do céu, ou seja, de viver a vida terrena, porque ainda estamos aqui, mas de modo extraordinário, como pessoas que já estão ressuscitadas com Cristo. Na Carta aos Coríntios, leitura opcional, esta mesma teologia da participação em Cristo pela sua morte, ele é o “cordeiro pascal, foi imolado”, aparece com um novo vocabulário. Paulo faz a comparação entre o fermento velho da antiga aliança e a nova massa com que se celebra a nova páscoa, a de Cristo, nosso cordeiro pascal. A nova Páscoa celebra-se com o pão da pureza e da verdade.

O evangelho de João narra os primeiros acontecimentos à volta do túmulo de Jesus, na manhã do primeiro dia da semana até à afirmação da fé na ressurreição de Jesus. O evangelho de João por duas vezes refere que os discípulos haviam de entender quando Jesus ressuscitasse dos mortos. São dois acontecimentos emblemáticos na vida de Jesus. O primeiro é quando Jesus expulsa os vendedores do templo e afirma aos judeus que o questionam “destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei” (Jo 2,19). João afirma que Jesus “falava do templo que é o seu corpo” (Jo 2,21) e acrescenta que “quando Jesus ressuscitou dos mortos, os seus discípulos recordaram-se de que Ele o tinha dito e creram na Escritura e nas palavras que tinha proferido” (Jo 2,22. O segundo acontecimento é na entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Ali João refere que “ao princípio, os seus discípulos não compreenderam isto; quando se manifestou a glória de Jesus, é que se lembraram que estas coisas estavam escritas acera dele” (Jo 12,16).

O momento de crer é este em que João, ao entrar no sepulcro, perante as ligaduras e o lençol com a ausência do corpo de Jesus, “viu e acreditou”. Por isso, acrescenta como esclarecimento “na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos”. Diante da ausência do corpo torna-se claro o que era escuro, torna-se compreensível à fé o que a razão não consegue explicar. João pode agora compreender porque crê no que antes não podia compreender porque lhe faltava a fé. Não são necessárias mais provas, nem mesmo as aparições do ressuscitado porque a fé não precisa de provas. Nenhuma prova é suficiente para a fé porque a fé suplanta todas as evidências.

Meditação da Palavra

A manhã do primeiro dia da semana que a Igreja celebra todos os anos na grande festa da Páscoa, compreende o maior acontecimento da história da humanidade e da história de Deus com os homens. Naquela manhã, Maria Madalena, Pedro e João, provavelmente mais algumas pessoas que o evangelho não refere, viram-se envolvidos por uma experiência que alterou para sempre a sua compreensão sobre Jesus.

Materialmente o que viram foi muito pouco, quase nada, mas o suficiente para despertar neles a fé na Escritura e nas palavras que Jesus lhes tinha repetido, enquanto estava com eles. Viram a pedra retirada do sepulcro, as ligaduras no chão e o lençol enrolado à parte. Materialmente nenhum destes elementos é prova suficiente para afirmar o que ali se passou, a ressurreição de Jesus. Maria Madalena tem razão quando suspeita que “levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o puseram”. Parece mais verosímil ter sido levado por alguém o corpo morto daquele que ela ama do que acreditar que “Deus ressuscitou-o” como mais tarde irá dizer Pedro nos seus discursos, porque se cumpria o tempo “ao terceiro dia” que ele mesmo tinha predito.

No entanto, Madalena não tem razão porque o que ela viu não é suficiente para afirmar que o roubaram, do mesmo modo que não é suficiente para afirmar que ele ressuscitou. Perante estes dados percebe-se que, a ressurreição, não se prova com factos cientificamente comprovados, à maneira de investigação policial. Não se trata de uma realidade material mas espiritual que transformou o corpo material de Jesus, verdadeiro homem, no corpo espiritual daquele que, sendo homem é também verdadeiro Deus.

João diz bem ao afirmar que eles “ainda não tinham entendido a Escritura”, mas não deixa de afirmar primeiramente, dele mesmo, o discípulo amado, que ao entrar “viu e acreditou”. Que viu João, que a Madalena não tenha visto, para acreditar que Jesus ressuscitou quando ela apenas conseguiu imaginar que tinha sido levado por alguém?

Materialmente, João não viu nada mais do que Madalena e Pedro, mas viu, numa outra forma de ver que brota da palavra escutada e acreditada. Trata-se da palavra das Escritura da qual já faz parte tudo quanto Jesus tinha dito antes de padecer. E, tudo o que Jesus disse aponta para a ressurreição ao terceiro dia. João não viu, humanamente falando, mas viu pela fé que nele despertaram os mesmos sinais que todos viram porque esses sinais o levaram até Jesus e despertaram nele a fé.

O olhar de João já não está focado nas coisas deste mundo mas nas coisas do alto. Por isso, o seu olhar, ao ver as ligaduras e o lençol dentro do sepulcro aberto e vazio, reportam-no imediatamente para as coisas do alto, a vida nova em Cristo, a ressurreição, a vida eterna que Jesus oferece a todo aquele que acolhe a sua palavra, acredita nele, come a sua carne e bebe o seu sangue.

O caminho da fé passa pelo túmulo vazio mas vai mais além. Madalena, Pedro e João fazem o mesmo caminho, entram no mesmo sepulcro, veem os mesmos sinais, mas não chegam à fé na ressurreição ao mesmo tempo. Os sinais colocam Madalena diante do corpo ausente e da possibilidade de ter sido levado. Diante dos mesmos sinais, Pedro perde-se nas dúvidas que se levantam no seu espírito. A João, levam-no até à outra dimensão, a da vida nova que é vitória a morte e fonte de alegria, como recorda o salmo 117, “este é o dia da vitória do Senhor; cantemos e alegremo-nos nele”.

Se não chegaram todos ao mesmo tempo à experiência da fé, todos se tornam, a seu tempo, testemunhas destes factos e anunciam a ressurreição de Jesus. Madalena, um pouco mais adiante, percebe Jesus através das lágrimas. Chora ela junto do sepulcro quando ouve a voz e abraça os pés daquele que o seu coração ama e vai a correr anunciar a ressurreição “vi o Senhor!”. Pedro, depois de se encontrar com Cristo ressuscitado, depois de “comer e beber com ele”, como diz a Cornélio, assume a missão “Jesus mandou-nos pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos”. João, ali mesmo, vive a experiência da certeza da ressurreição.

Neste dia que o Senhor fez, também nós somos convidados a entrar no sepulcro vazio e a encontrar, no silêncio da ausência a presença sempre viva e dinâmica de Jesus ressuscitado que continua a sua missão na Igreja através daqueles que, por experiência pessoal de encontro com o ressuscitado, se tornam testemunhas vivas da ressurreição.

Rezar a Palavra

Hoje, diante do sepulcro vazio, quero afirmar, Senhor, a tua ressurreição e testemunhar com o salmista “não morrerei, mas hei de viver para anunciar as obras do Senhor”. A fé na tua ressurreição dá-me a certeza da minha própria ressurreição, desta vida nova que já recebi no batismo e na qual participarei plenamente um dia, porque tu venceste a morte. Quero ser testemunha da tua bondade e misericórdia, dos prodígios e dos feitos admiráveis das tuas mãos. Quero cantar e alegrar-me porque estás vivo no meio de nós.

Compromisso semanal

Vou dizer aos meus irmãos “este é o dia da vitória do Senhor; cantemos e alegremo-nos nele”.