Nota histórica

O culto das Cinco Chagas do Senhor, isto é, as feridas que Cristo recebeu na cruz e manifestou aos Apóstolos depois da ressurreição, foi uma devoção muito viva entre os portugueses, desde os começos da nacionalidade. São disso testemunho a literatura religiosa e a onomástica referente a pessoas e instituições. Os Lusíadas sintetizam (I, 7) o simbolismo que tradicionalmente relaciona as armas da bandeira nacional com as Chagas de Cristo. Assim, os Romanos Pontífices, a partir de Bento XIV, concederam a Portugal uma festa particular, que ultimamente veio a ser fixada neste dia.

1ª Leitura Is 53, 1-10 

Quem acreditou no que ouvimos dizer? A quem se revelou o braço do Senhor? O meu servo cresceu diante do Senhor como um rebento, como raiz numa terra árida, sem distinção nem beleza para atrair o nosso olhar nem aspeto agradável que possa cativar-nos. Desprezado e repelido pelos homens, homem de dores, acostumado ao sofrimento, era como aquele de quem se desvia o rosto, pessoa desprezível e sem valor para nós. Ele suportou as nossas enfermidades e tomou sobre si as nossas dores. Mas nós víamos nele um homem castigado, ferido por Deus e humilhado. Ele foi trespassado por causa das nossas culpas e esmagado por causa das nossas iniquidades. Caiu sobre ele o castigo que nos salva: pelas suas chagas fomos curados. Todos nós, como ovelhas, andávamos errantes, cada qual seguia o seu caminho. E o Senhor fez cair sobre ele as faltas de todos nós. Maltratado, humilhou-se voluntariamente e não abriu a boca. Como cordeiro levado ao matadouro, como ovelha muda ante aqueles que a tosquiam, ele não abriu a boca. Foi eliminado por sentença iníqua, mas, quem se preocupa com a sua sorte? Foi arrancado da terra dos vivos e ferido de morte pelos pecados do seu povo. Foi-lhe dada sepultura entre os ímpios e um túmulo no meio de malfeitores, embora não tivesse cometido injustiça nem se tivesse encontrado mentira na sua boca. Aprouve ao Senhor esmagá-lo pelo sofrimento. Mas se oferecer a sua vida como sacrifício de expiação, terá uma descendência duradoira, viverá longos dias e a obra do Senhor prosperará em suas mãos.

Compreender a Palavra
O retrato do servo do Senhor apresentado por Isaías tem no centro as chagas como sinal da força que vem da obediência. O servo não faz o que quer, faz o que lhe é mandado pelo seu senhor. Este servo não tem nada de agradável ao olhar, nada que possa cativar-nos porque sobre ele caíram as nossas enfermidades e as nossas dores. Aos nossos olhos o castigo que suportava era merecido, mas ele não tinha feito nenhum mal. Foi uma sentença iníqua que lhe provocou um tal sofrimento, pois as faltas foram cometidas por nós. Foi eliminado, arrancado da terra dos vivos, ferido de morte, mas não lhe foi encontrada qualquer culpa. “Pelas suas chagas fomos curados”. Por ter suportado tal castigo, como oferta da sua vida em sacrifício de expiação, viverá longos dias.

Meditar a Palavra
A profecia de Isaías aplica-se toda à pessoa de Jesus Cristo, no mistério da sua paixão e morte. Ele é como ovelha levada ao matadouro, que não abre a boca, não reclama, nem encontra justificação para si, por amor daqueles por quem suporta o castigo. Abraçou a nossa causa, assumiu os nossos pecados como seus e carrega o sofrimento que nos pertencia a nós suportar. Fomos curados pelas suas chagas. Não se trata de coisa sem importância, trata-se de uma condenação injusta, suportada em vez dos culpados que somos nós. A nossa gratidão não pode medir-se por pequenas manifestações, mas há de ser a oferta de nós mesmos, na totalidade das nossas vidas, àquele que por nós deu a vida.

Rezar a Palavra
Senhor Jesus que abraçaste a cruz por nosso amor, dá-nos o olhar contemplativo para que nas tuas chagas encontremos o remédio para os nossos males e em ti a resposta decisiva da nossa alegria.

Compromisso
Contemplo as chagas de Jesus e agradeço.

EVANGELHO Jo 19, 28-37 

Naquele tempo, sabendo que tudo estava consumado e para que se cumprisse a Escritura, Jesus disse: «Tenho sede». Estava ali um vaso cheio de vinagre. Prenderam a uma vara uma esponja embebida em vinagre e levaram-Lha à boca. Quando Jesus tomou o vinagre, exclamou: «Tudo está consumado». E, inclinando a cabeça, expirou. Por ser a Preparação da Páscoa, e para que os corpos não ficassem na cruz durante o sábado – era um grande dia aquele sábado – os judeus pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. Os soldados vieram e quebraram as pernas ao primeiro, depois ao outro que tinha sido crucificado com ele. Ao chegarem a Jesus, vendo-O já morto, não Lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados trespassou-Lhe o lado com uma lança, e logo saiu sangue e água. Aquele que viu é que dá testemunho e o seu testemunho é verdadeiro. Ele sabe que diz a verdade, para que também vós acrediteis. Assim aconteceu para se cumprir a Escritura, que diz: «Nenhum osso lhe será quebrado». Diz ainda outra passagem da Escritura: «Hão de olhar para Aquele que trespassaram».

Compreender a Palavra
Ao celebramos hoje a Festa das Cinco Chagas do Senhor, o que celebramos é o Mistério da Paixão. Cristo salva-nos dando a vida na cruz que é “loucura para os que se perdem, mas, para os que se salvam, para nós, é força de Deus” (1Cor 1,18). Estamos, portanto, a celebrar a nossa salvação. As marcas dos cravos e da lança são para nós motivo de louvor. O evangelho é retirado da narração da paixão descrita por João. Os pormenores pretendem mostrar que Jesus, no mistério da sua morte, cumpre tudo o que estava dito pelos profetas. Jesus leva à total realização as promessas de salvação anunciadas por Deus através dos profetas.

Meditar a Palavra
Do lado aberto de Jesus saiu sangue e água. Esta afirmação de João no seu evangelho apresenta Cristo como a fonte de água viva. De facto, a minha vida está toda hipotecada no mistério da água saída do lado de Jesus. Do mistério da sua paixão nasce a água com que fui purificado, lavado e transformado na minha natureza carnal, para participar da natureza divina. No mistério da morte de Cristo encontra sentido o meu batismo, princípio de vida nova e eterna, que me faz herdeiro do reino inaugurado na sua ressurreição. O meu coração fica apreensivo diante de tanto amor e a minha alma deseja contemplar este mistério no silêncio sagrado do meu santuário interior.

Rezar a Palavra
Guarda-me no Teu lado Senhor e banha-me na tua água purificadora. Branqueia a minha veste no teu sangue e deixa-me participar no teu banquete eterno. Reconhece em mim, aquele por quem derramaste o teu sangue e não tenhas em conta o meu pecado, nem fixes os teus olhos sobre a minha culpa. Que a tua misericórdia seja a minha proteção e o teu amor o meu advogado.

Compromisso
O meu coração guarda silêncio diante das Chagas de Cristo.

Ou


EVANGELHO Jo 20, 24-29

Naquele tempo, Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe os outros discípulos: «Vimos o Senhor». Mas ele respondeu-lhes: «Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei». Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com eles. Veio Jesus, estando as portas fechadas, apresentou-Se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco». Depois disse a Tomé: «Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente». Tomé respondeu-Lhe: «Meu Senhor e meu Deus!». Disse-lhe Jesus: «Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto».

Compreender a Palavra
João relato o momento do encontro de Jesus ressuscitado com os discípulos e a dificuldade que Tomé mostrou em acreditar sem ver, sem tocar, sem provas. As palavras são emblemáticas. “Vimos o Senhor”; “Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei”; “Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente”; “Meu Senhor e meu Deus”. João apresenta este acontecimento na dinâmica do domingo, o primeiro dia da semana. Os discípulos reúnem-se ao ritmo semanal. No encontro de irmãos reconhecem a presença do ressuscitado. Mas a fé nesta presença não é fácil para todos.

Meditar a Palavra
Na descrição que João faz das aparições de Jesus aos discípulos, podemos ver a experiência de muitos que aderiram à pregação dos apóstolos e entraram a fazer parte da comunidade dos crentes, mas viviam a dificuldade de aceitar a ressurreição de Jesus. As palavras do anúncio seduziam. Um Jesus, homem, que fala com autoridade e realiza milagres e prodígios, é fácil de aceitar. A sua morte é fácil de aceitar. A união dos irmãos que têm um só coração e uma só alma é agradável aos sentidos. Mas a vida dos homens em comunidade esbarra com muitos problemas, divisões, discórdias, ciúmes, que desvaneça a fé frágil de quem vive à flor da pele. E a relação com Deus encontra na morte e na ressurreição uma enorme dificuldade. Podemos dizer que todos somos Tomé, na medida em que, a todos nos é difícil compreender que alguém que esteve morto, apareça vivo. É difícil compreender que eu próprio vou ressuscitar. Mas esta é a fé cristã. Se Cristo não ressuscitou, então, de nada serve a nossa fé. A experiência com Cristo ressuscitado não é de um momento, mas uma descoberta que leva a vida toda. 

Rezar a Palavra
É difícil acreditar na tua ressurreição. É fácil perceber que és um homem bom que, por amor, morreu na cruz. Mas é muito difícil compreender que te ergueste da morte e apareceste aos teus discípulos. Eu creio, Senhor, que morreste e ressuscitaste, mas esta minha fé é como a de Tomé. Nem sempre tenho diante de mim esta certeza. Também eu gostava de tocar, de ver, as tuas chagas para acreditar. Mas eu sei, Senhor, que ainda que os meus olhos vissem, não resolvia todas as minhas dúvidas. Ensina-me, Senhor, a caminhas com as minhas dúvidas e a amá-las como lugar de encontro contigo.

Compromisso
Não quero que as minhas dúvidas se transformem em razões contra a fé.